Verão começa com atenção redobrada nas praias

Alterações dos temporais de Inverno ainda podem esconder surpresas debaixo de água.

Foto

Potencialmente agravados este ano, são estes os elementos principais de perigo numa praia no Verão, especialmente as correntes de retorno – conhecidas como agueiros. Ocorrem em pontos da praia onde há um canal ou uma abertura numa barra, por exemplo. Normalmente é identificável como uma área onde as ondas não quebram.

Apanhado num agueiro, um banhista facilmente é arrastado para fora de pé. O conselho, nestas situações, é não tentar vencer a corrente, mas nadar para o lado. Mas no susto de uma situação inesperada, um agueiro pode ser fatal. “Oitenta por cento dos afogamentos no mar têm a ver com as correntes de retorno”, alerta Alexandre Tadeia, presidente da Federação Portuguesa de Nadadores-Salvadores.

Os agueiros mudam de lugar, conforme a configuração do fundo do mar. Alguns são mais estáveis, como os que ocorrem junto às laterais dos areais entre dois esporões. Com as profundas alterações que o Inverno provocou na morfologia das praias, pode haver surpresas. “O grande problema destas modificações é que podem existir correntes de retorno onde as pessoas não estavam acostumadas a vê-las”, explica Alexandre Tadeia.

Outro factor de risco são as próprias ondas, cuja rebentação é determinada pelo fundo do mar junto à costa, o qual se altera ao longo do ano. No Outono e Inverno, o mar tipicamente escava a praia e transporta a areia para dentro da água, formando fundões e barras. As ondas têm tendência para quebrar de forma mais violenta mesmo junto ao areal.

Na Primavera e Verão, a areia que está nas barras submersas é devolvida às praias e a inclinação do fundo torna-se mais reduzida, ou seja, o banhista vai mais longe até ficar sem pé. As ondas começam a quebrar mais longe e vão dissipando a sua energia até chegarem à praia. O que pode estar a acontecer este ano é uma recuperação mais lenta desta movimentação sazonal das areias.

Um recorde de temporais
E há motivos para isso. O princípio de 2014 foi marcado por uma sucessão de temporais que, em parte do país, foi extraordinária. Uma análise recente feita pelo Instituto Hidrográfico com base em dados de bóias que medem a agitação marítima mostra isto mesmo. Nas últimas duas décadas, em Leixões nunca houve um Inverno como este. Entre Outubro de 2013 e Março de 2014, foi registado um recorde de 21 temporais – ou seja, períodos em que a altura das ondas mantém-se acima de 4,5 metros.

Esta é a chamada “altura significativa” das ondas, ou seja, a média das 33% mais altas que passam em cada meia-hora. Cerca de 15% de todos os registos de altura significativa foram superiores a 4,5 metros. “Isto é completamente excepcional, o normal é 5%”, afirma o investigador Paulo Pinto, da Divisão de Oceanografia do Instituto Hidrográfico (IH).

Em Sines, embora não tenha sido o pior, foi dos anos também com mais temporais e mais intensos. E ali bateu-se o recorde de onda máxima registada por aquela bóia em 30 anos, com 17,27 metros, no dia 10 de Fevereiro.

Com tamanha energia do mar a chegar à costa, não admira que tenham ocorrido os efeitos que se viram: praias onde o areal desapareceu, estruturas de apoios varridas pelo mar, construções ameaçadas.

O problema é o que não se vê. O fundo pode estar alterado e esta situação pode ser particularmente enganadora nas praias onde já houve alimentação artificial de areias. “As pessoas vão ter de ter uma atenção redobrada, dado que a parte emersa da praia pode estar igual, mas a imersa não”, avisa o comandante Santos Martinho, chefe da Divisão de Oceanografia do IH.

“Os perfis de praia estão muito alterados”, concorda o comandante Nuno Leitão, do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN). Junto à costa, explica Leitão, existirão maiores profundidades agora e a rebentação pode ocorrer mais sobre a praia, criando situações de maior perigo nas zonas de areia molhada, que tradicionalmente é onde se imagina que não há riscos. “Este ano os pais terão de ter cuidados redobrados”, previne o responsável pelo ISN.

Ondas a rebentar com força mesmo sobre o areal é uma situação mais típica de Inverno. Das 40 mortes relacionadas com o arrastamento por ondas no litoral entre 2007 e 2013, 70% ocorreram entre Outubro e Março.

"Qual é a tua onda?"
Saber em detalhe onde está o perigo agora é, no entanto, tarefa praticamente impossível. A razão é simples: não há um mecanismo prático e barato de monitorização contínua do que se passa debaixo de água mesmo junto à costa. No areal, um veículo com um GPS traça facilmente o perfil de praia. Mas no fundo, na agitada zona da rebentação, tudo se complica.

Segundo Paulo Pinto, do Instituto Hidrográfico, há um conhecimento bastante bom do fundo do mar até à linha onde a profundidade é de 30 metros. Mas daí até à praia, o que há é um levantamento feito há alguns anos e que já não reproduzirá as condições reais do momento. “De maré para maré, aquilo muda. É extremamente variável”, completa Anabela Oliveira, da Divisão de Geologia Marinha do IH.

Esta lacuna limita qualquer sistema para prever a rebentação. O Instituto Hidrográfico lançou recentemente um sistema experimental, no âmbito do seu programa “Qual é a tua onda?”, que oferece previsões da agitação marítima para a navegação, para a pesca e para o surf. Para as praias, por ora há apenas previsões para a Costa da Caparica, mostrando a linha da rebentação a cinco dias.

Mais de 300 km sem vigilância
Nem todos estão certos de que o Inverno deixou perigos escondidos nas zonas balneares. O investigador Rui Taborda, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, acredita que o perfil das praias já estará recuperado e aponta antes outro problema potencial. “Parece-me que o único risco acrescido se poderá relacionar com o aumento do risco de desmoronamento das arribas, uma vez que algumas praias poderão estar mais estreitas”, disse ao PÚBLICO, numa nota por email. Em Agosto de 2009, cinco pessoas morreram devido à derrocada de uma falésia na praia Maria Luísa, em Albufeira.

Seja como for, a ordem é redobrar a atenção. Alexandre Tadeia, da Federação dos Nadadores-Salvadores, chama ainda a atenção para a sinalização de segurança, em especial as bandeiras com uma lista vermelha em cima e outra amarela em baixo, entre as quais é seguro nadar.

Segundo o Instituto de Socorros a Náufragos (ISN), cerca de 4000 nadadores-salvadores actuarão nas praias este Verão – um número semelhante ao dos últimos dois anos. O ISN lançou este ano também a campanha “Surf Salva”, para dar informação básica aos surfistas sobre como proceder caso encontrem banhistas em apuros. E testará, além disso, uma bóia telecomandada, desenvolvida por uma empresa portuguesa.

“Cá ainda temos o flagelo das praias não vigiadas”, alerta, no entanto, Alexandre Tadeia. Segundo a Federação dos Nadadores-Salvadores, dos 600 quilómetros de praias em Portugal, 330 não têm vigilância.

Dez das 12 mortes ocorridas durante a época balnear em 2013 ocorreram precisamente em praias não vigiadas. E metade dos casos ocorreu em rios. Os perigos das praias fluviais são um dos focos da campanha de sensibilização que o ISN tem este ano, com iniciativas em escolas e nas próprias zonas balneares.