Espanha não divulga caudais que debita no Guadiana e Portugal publica dados errados
Os sistemas automáticos de informação hidrológica colocados ao longo dos 818 quilómetros do percurso total do rio ibérico estão desactivados devido a problemas técnicos.
Assim, desde Março que não há forma de se saber que volume de água entra diariamente em Portugal através do Açude de Badajoz, já que os dados divulgados no portal do Serviço Nacional de Informação dos Recursos Hídricos (SNIRH), da Agência Portuguesa do Ambiente, apresentam valores desvirtuados e muito inferiores aos que são publicados pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA).
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Assim, desde Março que não há forma de se saber que volume de água entra diariamente em Portugal através do Açude de Badajoz, já que os dados divulgados no portal do Serviço Nacional de Informação dos Recursos Hídricos (SNIRH), da Agência Portuguesa do Ambiente, apresentam valores desvirtuados e muito inferiores aos que são publicados pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA).
Um exemplo: no dia 4 de Junho, a EDIA publicava na sua página online que a reserva de água em Alqueva era de 3864 hectómetros cúbicos e a cota encontrava-se nos 151,11 metros acima do nível do mar. Faltavam 89 centímetros e 636 hectómetros cúbicos para o pleno enchimento da albufeira.
Já os valores publicados pelo SNIRH no mesmo dia apontavam para um volume armazenado em Alqueva de 2518 hectómetros cúbicos, com a cota a atingir os 143,61 metros, ou seja, menos 1982 hectómetros cúbicos e menos cerca de 8,4 metros no nível da água.
Uma tão acentuada diferença nos dados publicados pelas duas entidades não reflecte o que se poderia entender como uma situação pontual ou um problema técnico momentâneo. A leitura desvirtuada do SNIRH relativo ao armazenamento de água em Alqueva mantém-se inalterada desde Maio de 2013.
A incoerência da informação não acaba aqui. O registo publicado diariamente no portal da EDIA é omisso quanto ao volume de água que chega a Alqueva vinda de Espanha. Os dados que deveriam ser fornecidos a partir das leituras feitas do açude Monte da Vinha, instalado no troço do Guadiana em território português, localizado a cerca de seis quilómetros a jusante do açude de Badajoz, não estão a ser facultados pelo SNIRH devido a problemas nos equipamentos.
Acresce ainda que para o nível da água armazenada na albufeira de Alqueva contribuem os sistemas reversíveis das duas centrais hidroeléctricas instaladas nesta barragem. A água que é debitada durante o dia para a produção de energia eléctrica é recolocada durante a noite na albufeira, através de turbinagem, não facultando informação precisa sobre as afluências vindas diariamente de Espanha.
A sistemática disparidade que se tem registado tanto no armazenamento como nas afluências de água a Alqueva acontece desde que foi criada a Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção (CADC), no âmbito do Convénio de Albufeira assinado em 1998 para coordenar o uso e aproveitamento dos rios transfronteiriços na Península Ibérica.
Apesar das constantes referências que são feitas à prevalências das “discrepâncias” sobre os volumes de água que Espanha envia para Portugal através do rio Guadiana nas reuniões dos membros que integram este organismo, o equívoco mantém-se.
A confirmação desta situação anómala já foi feita pelo Instituto da Água (Inag) na apreciação que efectuou ao regime de caudais do ano hidrológico 2004/2005, em que é reconhecida “a discrepância de volumes medidos de um lado e do outro da fronteira”. Para superar o contencioso, é proposta “uma peritagem técnica” às estruturas de medição utilizadas.
O Inag admitia naquele ano que as autoridades espanholas “estão conscientes” de que a secção de controlo portuguesa de Monte da Vinha imediatamente a jusante de Badajoz “registava sistematicamente menor caudal” do que aquele que foi estimado pela CHG para o açude de Badajoz.
No relatório de actividades de 2005 do CADC confirma-se a “existência de uma discrepância” na leitura dos valores dos caudais afluentes no Guadiana e os seus membros propõem a designação “de um técnico de cada parte para solucionar" o problema – uma solução que poderia passar pela construção de uma nova secção de controlo dos caudais.
Contudo, na sua reunião de 31 de Março de 2009, aquele organismo é informado de que a instalação de um novo sistema de leitura de caudais foi “abandonada por razões ambientais”. O grupo de trabalho, entretanto criado para superar o contencioso, acordou que deveria continuar a utilizar-se o açude de Badajoz “como ponto de medida”, com o compromisso de “modificar o sistema” para se ter um “método fiável” de forma a responder às necessidades de ambos os países. Mas a ausência de resposta para o problema subsiste, agravada pela inoperacionalidade que se verifica nos equipamentos de medição instalados no açude do Monte da Vinha.
O presidente da EDIA, José Pedro da Costa Salema, adiantou recentemente ao PÚBLICO que vai ser assinado um protocolo com a Agência Portuguesa do Ambiente para esta assumir a responsabilidade na gestão das estações hidrométricas que se encontram dentro da área de influência de Alqueva.