Destruir Ciência
O aumento da ciência produzida nas universidades não chega para compensar a destruição levada a cabo.
As instituições objecto dessa destruição produziam ciência. Uma parte dessa ciência não produz, directamente, resultados económicos. Mas constitui conhecimento fundamental para a ciência que se pode traduzir em valores monetários. Um exemplo pode ajudar a compreender esta ligação: a anafase é a separação dos cromossomas de uma célula vegetal ou animal em dois grupos idênticos. Precede a divisão da célula em duas e é a forma de garantir que cada uma das novas células tenha um código genético idêntico ao da célula mãe. Uma teoria nova para explicar melhor o movimento anafásico não se traduz em resultados económicos. Mas é com a supressão de uma anafase que se conseguem obter plantas com um número de cromossomas duplo, tetraplóides, em vez dos normais diplóides. Os centeios tetraplóides (com 28 cromossomas, em vez dos 14 cromossomas dos diplóides) obtidos na Estação Agronómica (agora quase totalmente destruída e até com outro nome) produziam bastante mais (nalguns casos, até 50% mais) do que variedades diplóides. Eram cultivados em áreas significativas na Beira e em Trás-os-Montes dando mais dinheiro à agricultura e, portanto, à economia nacional. Não sei o que se passa actualmente.
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As instituições objecto dessa destruição produziam ciência. Uma parte dessa ciência não produz, directamente, resultados económicos. Mas constitui conhecimento fundamental para a ciência que se pode traduzir em valores monetários. Um exemplo pode ajudar a compreender esta ligação: a anafase é a separação dos cromossomas de uma célula vegetal ou animal em dois grupos idênticos. Precede a divisão da célula em duas e é a forma de garantir que cada uma das novas células tenha um código genético idêntico ao da célula mãe. Uma teoria nova para explicar melhor o movimento anafásico não se traduz em resultados económicos. Mas é com a supressão de uma anafase que se conseguem obter plantas com um número de cromossomas duplo, tetraplóides, em vez dos normais diplóides. Os centeios tetraplóides (com 28 cromossomas, em vez dos 14 cromossomas dos diplóides) obtidos na Estação Agronómica (agora quase totalmente destruída e até com outro nome) produziam bastante mais (nalguns casos, até 50% mais) do que variedades diplóides. Eram cultivados em áreas significativas na Beira e em Trás-os-Montes dando mais dinheiro à agricultura e, portanto, à economia nacional. Não sei o que se passa actualmente.
A supressão de uma anafase é também necessária para tornar férteis os híbridos entre trigo e centeio, para obter o triticale, um cereal totalmente fabricado pelo homem e de que são cultivados em todo o Mundo milhões de hectares. O trabalho de produção de triticales na Estação Agronómica foi primeiro parcialmente destruído e depois suprimido, quando já tinham sido obtidas plantas altamente promissoras, tal como sucedeu com muitos outros trabalhos, que mais dinheiro podiam ter dado à economia nacional.
Quando se fala em “investigação por contrato” lembro-me sempre de algo que li há muitos anos: se o Prof. Roentgen tivesse feito um contrato com os serviços médicos do exército, para encontrar forma de curar melhor ossos partidos, teria descoberto os raios x?
Já em muitos escritos tenho dado alguns exemplos desse enorme valor, particularmente na investigação agronómica, o sector que conheço melhor. Mas isso é generalizável a todos os outros. E mais uma vez lamento que não se tenha concretizado o que há muitos anos propus, para termos valores concretos, em vez de estimativas, dos benefícios para a economia do país, resultantes da investigação.
Por outro lado, a “lei” é vergonhosa porque revela da parte das universidades (não encontro mais nenhuma razão) uma inveja e indicação de mediocridade de quem teme a comparação com as instituições de investigação científica.
A destruição é um facto e, das instituições que conheço, cito apenas três, que são hoje um resíduo do que foram: a Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, a Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa. Enquanto puderam funcionar, todas deram à economia nacional várias vezes o dinheiro nelas investido.
A citada lei tem uma alternativa à destruição: quando possível, rouba-se ao Ministério em que se encontra a instituição e dá-se a uma universidade. Do que sei, isso já sucedeu pelo menos com duas instituições.
Notícias recentes dizem que se pretende fazer o mesmo a mais uma: o Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT). Noticiou o Diário de Notícias de 2-6-2014 que o IICT só tem dinheiro para um mês de salários. É uma desculpa completamente esfarrapada. O IICT é um organismo do Estado. Os salários do pessoal vêm dos cofres do Estado e só “não haverá dinheiro” para eles se decidirem não pagar. Para se ver a hipocrisia de tal afirmação basta ler a insinuação de que os seus investigadores poderiam ser integrados na Universidade de Lisboa. Então, aí já o Estado tinha dinheiro para pagar os salários.
Uma antiga ministra publicou há anos, no Diário de Notícias, um artigo em que dizia que apesar de Portugal ter aumentado muito a produção de artigos científicos, não se viu qualquer reflexo na economia nacional. Contei, num artigo de jornal, que isso foi o resultado da destruição de instituições que contribuíram fortemente para a economia. Já tenho chamado a atenção para o facto de o aumento da ciência produzida nas universidades não chegar para compensar a destruição levada a cabo.
Há anos que, em artigos de jornal, denuncio este caso de destruição. Denunciei-o, em 2009, numa conferência na Universidade de Évora. Mas não vi qualquer reacção, nem dos investigadores das instituições em processo de destruição, nem dos professores universitários em quem fica o labéu de inveja e mediocridade.
Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado