A vida meteórica do Alibaba

Há um mês, a Alibaba, empresa chinesa de comércio electrónico, arrancou com o processo para admitir as suas acções na Bolsa de Nova Iorque. Esta poderá tornar-se a maior operação de sempre em Wall Street.

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Quase 20 anos depois, o Alibaba é o maior retalhista online da China, e o momento de criatividade que Ma teve nos EUA está a levá-lo agora para uma oferta pública inicial (em que as acções de uma empresa são vendidas ao público em geral numa bolsa de valores pela primeira vez) em Nova Iorque que lhe poderá render até 20 mil milhões de dólares, potencialmente a maior OPI de sempre. A valorização poderá tornar o empresário de 49 anos no terceiro homem mais rico da China, com 12,5 mil milhões de dólares, e um dos mais ricos do mundo no Índice Bloomberg dos Bilionários.

A OPI representará a coroação das duas décadas que Ma passou a construir uma empresa de 25 mil funcionários e levou o eBay a retirar-se da China e que recebeu um investimento inicial da Yahoo de mil milhões de dólares. O Alibaba passou de uma experiência na sala de estar de Ma, que oferecia duas dezenas de produtos para venda, para uma empresa que junta sete milhões de retalhistas onde se encontra de tudo, desde salmão do Alasca a aviões. O negócio gerou cerca de 8 mil milhões de dólares no ano passado, um aumento de 62% em relação a 2012, segundo os números recolhidos pela Bloomberg.

“Muitas pessoas odeiam mudanças, mas precisamente por termos agarrado nas mudanças pudemos ver o futuro”, disse Ma aos seus empregados quando se demitiu como chefe executivo há um ano — continua presidente. A empresa não quis que desse uma entrevista, citando as restrições pré-OPI.

O Alibaba ajudou a transformar a vida na China, oferecendo oportunidades aos empresários e revolucionando o retalho para os consumidores que até há poucas décadas usavam senhas de racionamento para comprar coisas como roupas, arroz e bicicletas.

Como Mark Zuckerberg do Facebook, Steve Jobs da Apple e Jeff Bezos da Amazon.com, Ma tornou-se uma dessas figuras cujo impacto tem um alcance longo. Antigo professor de Inglês que andava pelos hotéis da sua cidade natal de Hangzhou para praticar a língua com estrangeiros, Ma e a sua história são um reflexo do crescimento da China como superpotência económica. 

Os utilizadores de Internet chineses chegam aos 618 milhões, mais do que a população de qualquer outro país para além da Índia, e poderão ultrapassar os 850 milhões em 2015, de acordo com dados do Governo. A McKinsey & Co. prevê que o comério retalhista online na segunda maior economia do mundo chegue aos 395 mil milhões de dólares no próximo ano, triplicando assim os níveis de 2011. Ma posicionou o Alibaba para se tornar uma das forças motrizes da mudança tecnológica na China.

“Se Steve Jobs criou um sistema operativo para os smartphones, Jack Ma e a sua equipa criaram o sistema operativo para o comércio do futuro na China”, diz Porter Erisman, que dirigiu o documentário Crocodile in the Yangtze: A Weterner Inside China’s Alibaba.com, que relata o seu emprego de oito anos na empresa, iniciado em 2000. “Ele é uma pessoa que adora desafios. Sente-se motivado em fazer coisas que levam a China avançar.”

O Alibaba é já a fonte de mais de 70% das distribuições de embalagens na China e atingiu aquele que deverá ser um recorde de vendas mundial: 5,6 mil milhões de dólares num único dia. Também instalou um serviço pioneiro que permite aos utilizadores depositar dinheiro nas suas contas através dos smartphones, contabilizando 87 mil milhões nos primeiros nove meses, mais do dobro das receitas da Goldman Sachs de 2013. O Alibaba contribuiu para a criação de 15 milhões de postos de trabalho, disse Ma em Fevereiro no blogue oficial da empresa.

“Irmos para o mercado de valores nunca foi o nosso objectivo — é apenas uma estratégia importante e um método para alcançarmos a nossa missão, uma bomba de gasolina que nos pode ajudar a avançar”, comentou Ma num email enviado aos funcionários antes de se candidatar à OPI.

Depois de conseguir ultrapassar a Amazon.com, o eBay e o PayPal juntos, o Alibaba está expandir-se para os domínios da Sony Entertainment. Anunciou recentemente um investimento de 1220 milhões no maior site de vídeos online chinês, YoukuTudou, depois de afirmar em Março que iria adquirir uma produtora e distribuidora de televisão e filmes. Ma está também a investir do seu próprio bolso numa das primeiras empresas chinesas a receber licença para emissão de televisão através da Internet. “O Jack tem um grande entusiasmo”, disse numa entrevista no ano passado Jonathan Lu, o sucessor que Ma escolheu como CEO do Alibaba. “Tem uma forte percepção das crises e tem uma grande visão de futuro.”

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Chance Chan/Reuters

O primeiro passo na construção de um império online começou quando Ma registou um site, China Pages, um directório de páginas amarelas, depois da sua visita a Seattle, onde um amigo lhe mostrou a Internet. “Procurei a palavra ‘cerveja’, uma palavra muito simples”, recorda Ma no documentário. “Encontrei cerveja americana, cerveja alemã mas não cerveja chinesa. Por isso fiquei curioso. Pesquisei ‘China’ e todos os motores de pesquisa não davam China, não havia informação.”

Ma diz que pediu a este amigo para o ajudar a criar uma homepage em chinês e, ao fim de cinco horas de o ter feito, recebeu cinco emails dos EUA, Japão e Alemanha a querer saber mais informação. “Fiquei tão entusiasmado”, recorda. “Disse: ‘Isto é uma coisa interessante’.”

Para começar o China Pages, Ma foi buscar sete mil yuans às suas economias e pediu dinheiro emprestado à irmã, de acordo com um livro do seu assistente pessoal, Chen Wei, e confirmado por um porta-voz do Alibaba. Os primeiros dois empregados eram a mulher de Ma, Zhang Ying, que andou com ele na universidade e era sua colega quando ele ensinava Inglês. Zhang desempenhou um papel importante no início do Alibaba, até se virar para as responsabilidades domésticas e criar o filho, ainda segundo o livro de Chen e o porta-voz da empresa, que não quis adiantar a idade da criança.

As primeiras tentativas com a China Pages não resultaram, por isso foi para o Ministério do Comércio em Pequim, para ajudar a criar um website. Foi aí que conheceu Jerry Yang, co-fundador da Yahoo, que visitava a China pela primeira vez. Yang acabou por investir mil milhões de dólares no Alibaba, tendo ficado com 40% da empresa, uma percentagem que foi depois reduzida quando o Yahoo acusou a empresa chinesa de ter dividido a Alipay, a empresa de pagamentos online, do género da PayPal, sem ter informado os accionistas.

Em 1999, deu-se o boom bolsista da Internet em Wall Street. Ma sentiu as mudanças na capital chinesa e deixou o serviço governativo. De volta ao seu apartamento de Hangzhou, criou o Alibaba.com, um site de páginas amarelas que permitia aos empresários fazerem vendas entre si. Acreditando que este se iria tornar um momento histórico, Ma gravou a reunião em que o projecto arrancou.

“Não se preocupem, acho que o sonho da Internet não vai morrer”, dizia nesse encontro de Fevereiro de 1999, que mais tarde foi transmitido pelo canal chinês CCTV. “A recompensa que vamos receber pelo preço que estamos a pagar nos próximos três a cinco anos não é este apartamento, são 50 apartamentos destes.”

Entre os 18 fundadores, estava Joseph Tsai, um advogado canadiano nascido em Taiwan que trabalhava para a Sullivan & Cromwell em Nova Iorque e que ajudou a recolher financiamento. Em 2000, o Alibaba tinha angariado 25 milhões de dólares de investidores, que incluíam o SoftBank e a Goldman Sachs.

O Alibaba, que começou por ter dificuldades em gerar receitas, percebeu que os comerciantes estavam dispostos a pagar por uma melhor colocação dos seus produtos. O site atraiu um milhão de utilizadores em 2002 e nesse ano tornou-se rentável, segundo informações dadas pela empresa.

Ma rapidamente enfrentou a expansão do eBay na China criando em 2003 o Taobao, a plataforma na qual vendedores individuais poderiam fazer as transacções entre si. O Taobao declarou publicamente guerra ao eBay. “Ao gerar uma batalha de relações públicas com o eBay, criou-se um grande burburinho sobre o Taobao, e assim cada dólar gasto pelo eBay ajudava a alimentar o burburinho à volta do Taobao”, comentou Erisman, antigo executivo da empresa em áreas que incluíam o departamento de marketing. Refere o interesse de Ma nas artes marciais chinesas como estratégia de motivação: usando a força dos opositores contra eles. “O eBay é um tubarão no mar, nós somos um crocodilo no Rio Yangtzé”, disse Ma em várias ocasiões. “Se lutarmos no mar vamos perder, mas se lutarmos no rio, vencemos.”

E venceram. Usando a tecnologia do motor de busca que veio com as acções da Yahoo em 2005, o Alibaba tornou os seus próprios anúncios gratuitos para os comerciantes. O eBay, que cobrava por eles, anunciou em Dezembro de 2006 que ia fechar o seu site na China por falta de lucro.

A filosofia de gestão de Ma tem origens no tai chi. Fez uma campanha de sensibilização para a arte marcial com a estrela de cinema Jet Li. Também recebe inspiração do romancista de Hong Kong Louis Leung-Yung Cha, que escreve sob o pseudónimo de Jin Yong, e incentiva os seus empregados a usarem alcunhas com base nas personagens dos romances. Dentro do Alibaba, Ma dá pelo nome de “Feng Qingyang”, um mestre da espada solitário e guru de kung fu que treina o seu aprendiz para o transformar num herói. Ao arranjar uma alcunha de uma personagem imprevisível mas estimulante, Ma recua às suas próprias origens como professor, disse o próprio a Chen Xiao-Ping, professor na Universidade de Washington em Seattle, numa entrevista em 2013 feita pela International Association for Chinese Management Research. “Os romances de artes marciais de Jin Yong são a forma mais concreta de explicar o confucionismo, budismo e taoismo”, disse Ma. “Acalentam a fraternidade, moralidade, coragem, emoção e consciência.”

Ma escolheu a próxima geração de líderes do Alibaba, incluindo o CEO Lu e duas mulheres: a chefe do departamento financeiro, Maggie Wu, e Lucy Peng, que controla uma das áreas em maior expansão do futuro do Alibaba, o Alipay e as suas plataformas de investimento, incluindo o Yu’E Bao. O braço financeiro não está incluído na entidade que o Alibaba está a apresentar em Nova Iorque.

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AFP

“O sucesso de um CEO deve ser determinado pelo número de pessoas que treinou que o ultrapassaram”, disse Ma na entrevista a Chen. “Se alguém me avisa de um empregado que está a tentar ultrapassar-me, respondo que sou um professor, e é assim que deve ser.”

Ma nasceu a 10 de Setembro de 1964. Os seus pais eram músicos tradicionais em Hangzhou, de acordo com informações confirmadas pelos porta-vozes da empresa. A cidade de 8,8 milhões de habitantes 160 quilómetros a sudoeste de Xangai é uma atracção turística pelo seu lago, pontes em pedra e outros locais históricos.

Quando era adolescente, Ma começou a encontrar-se com estrangeiros que começavam a tornar a China um destino turístico, depois da aproximação entre Nixon e Mao em 1972. Durante nove anos, Ma passeava-se à volta do Hotel Hangzhou, agora um Shangri-La, levantando-se às cinco da manhã para falar com os viajantes, segundo o documentário Crocodile e a entrevista de Chen.

Chumbou duas vezes o exame de admissão para a universidade nacional, até que acabou por ser admitido no que é agora a Universidade Normal de Hangzhou. Licenciou-se em 1988 e passou cinco anos a ensinar Inglês numa universidade local, ganhando 15 dólares por mês — os detalhes foram confirmados pelos porta-vozes da empresa.

Os rendimentos de Ma serão agora cinco vezes superiores ao que eram em 2012 — quando o Alibaba retirou de cotação a sua unidade de business-to-business da bolsa de valores de Hong Kong depois de o preço das suas acções terem caído. A sua participação económica no Alibaba é de cerca de 7,4%, depois de subtraídas as acções que controla através de uma organização sem fins lucrativos. 

Desta vez, ao fazer entrar as suas acções na bolsa de Nova Iorque e não de Hong Kong, o Alibaba estará a criar uma parceria de executivos que nomeará a maioria dos membros do conselho de administração. O fim das conversações com a bolsa de Hong Kong no ano passado levou o Alibaba a procurar a bolsa americana, onde os seus parceiros poderão manter um maior controlo sobre a empresa. Acordos que permitiram acções com diferentes direitos de votação ajudaram Zuckerberg, fundador do Facebook, e os co-fundadores da Google Larry Page e Sergey Brin, a manter o controlo depois de entrarem no mercado.

A controvérsia gerada em Hong Kong pela decisão de se apresentar na bolsa nova-iorquina, o desentendimento com a Yahoo em 2011 sobre como lidar com o Alipay e a forma directa como aborda várias questões em público prejudicaram por vezes a sua reputação, comenta Teng Bingsheng, professor na Cheung Kong Graduate School of Business. “Ma tem uma fama controversa”, diz Teng. “Está disposto a arriscar em decisões muito grandes e não se deixa deter por preocupações sobre a sua reputação.”

Exclusivo PÚBLICO/Bloomberg//Washington Post