Encontramo-nos mais logo à porta do Cinema Ideal?
A abertura do Ideal anuncia-se como “o primeiro acontecimento da rentrée”. O cinema de bairro – o mais antigo de Lisboa – quer ser um espaço de encontro em torno dos filmes, mas também do prazer de ir a uma sala de cinema.
O encontro está marcado para o início da rentrée, no novo Cinema Ideal, Rua do Loreto números 15 e 17, Lisboa, entre o Camões e a Bica. Hão-de vir muitos, espera Pedro Borges, produtor e distribuidor da Midas Filmes, o impulsionador desta reabertura da mais antiga sala de cinema da capital. E virão, acredita, porque um espaço como este faz falta, e porque, ao contrário do que se pensa, continua a haver público para ver cinema em sala.
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O encontro está marcado para o início da rentrée, no novo Cinema Ideal, Rua do Loreto números 15 e 17, Lisboa, entre o Camões e a Bica. Hão-de vir muitos, espera Pedro Borges, produtor e distribuidor da Midas Filmes, o impulsionador desta reabertura da mais antiga sala de cinema da capital. E virão, acredita, porque um espaço como este faz falta, e porque, ao contrário do que se pensa, continua a haver público para ver cinema em sala.
Por enquanto, a sala do Ideal, no edifício da Casa da Imprensa, que é senhoria do espaço e investidora do projecto através da indemnização paga aos anteriores inquilinos, ainda está em obras, com operários a entrar e a sair, carregando tábuas e baldes.
O projecto de recuperação (um investimento de 500 mil euros, incluindo ecrã, projector, equipamento de som) é do arquitecto José Neves, Prémio Secil de Arquitectura 2012, e a programação será da responsabilidade da Associação Cultural Cinema Ideal – um grupo de perto de 30 pessoas, entre as quais realizadores, actores e produtores, que terá a sua sede no primeiro andar do mesmo edifício, espaço que se abrirá também ao público.
“Queremos ser o primeiro acontecimento da rentrée”, diz Pedro Borges. Inicialmente pensou-se abrir na Primavera, mas não foi possível, e a data prevista agora é final de Agosto, início de Setembro. A programação de arranque, essa já está quase toda definida. “Por uma série de coincidências, vamos ter muito cinema português até ao final do ano: o filme do Joaquim Pinto, E Agora? Lembra-me, a estreia do último do Paulo Rocha (1935-2012), Se Eu Fosse Ladrão, Roubava, e a reposição dos dois primeiros, Verdes Anos (1963) e Mudar de Vida (1966), Os Maias do João Botelho, que tem uma versão do realizador com três horas que ele gostaria que nós estreássemos; o Pedro Costa que está a acabar um filme, o João Canijo, a acabar um documentário, o João Salaviza, enfim, uma série de realizadores de cujos trabalhos gostamos e que vamos estrear."
Uma sala, muitos filmes
Mas esta sala com foyer, plateia e balcão, como os antigos cinemas de bairro, quer ser “um multiplex”. Pedro Borges explica: “A ideia é trabalhar do meio-dia às duas da manhã e combinar sempre pelo menos dois filmes em exibição para públicos diferentes, alternando as sessões." A reposição de um clássico pode alternar com a estreia de um filme de um novo realizador, por exemplo – “é importante separar o cinema da ideia de novidade; como nas outras artes deve ver-se o que foi feito agora como o que foi feito há 20 anos, ou há 70."
Ou então podem combinar-se filmes que façam sentido juntos por algum motivo. “Imagine-se que o Pedro Costa diz que quando estrear o filme dele gostaria de ter determinado filme ao mesmo tempo. As sugestões podem vir dos realizadores ou serem simplesmente coisas que nós achamos que fazem sentido." Pode acontecer que venha o próprio realizador explicar porque acha aquele filme importante, ou que venham pessoas contar outras histórias. “Com o filme do Joaquim Pinto vamos ter isso – pessoas que vêm falar da sua relação com o filme. Quando fizermos a estreia e as reposições do Paulo Rocha, gostava que viessem pessoas que assistiram à estreia dos Verdes Anos em 1963 no São Luiz para dizerem como vêem o filme hoje. São coisas que noutros países se fazem regulamente e que cá se perderam muito."
Mas o que se perdeu não foi, sobretudo, o público do cinema? Não, diz Pedro Borges. O que se perdeu – por razões várias, nomeadamente a especulação imobiliária em vários espaços que eram ocupados por cinemas – foi uma certa forma de ir ao cinema. “A ida ao cinema nunca foi apenas para ver filmes. Cinemas de bairro como este eram onde as pessoas se encontravam regulamente, onde conviviam. Depois, noutras zonas da cidade, nas Avenidas Novas por exemplo, as pessoas iam também para ver aqueles edifícios. Isso perdeu-se a partir do momento em que as salas passaram a ser todas iguais, independentemente do centro comercial em que estão."
A ambição é que o Cinema Ideal tenha uma identidade própria. E, no entanto, já houve cinemas com essa identidade – como o Quarteto, ou o King (ao qual Pedro Borges esteve também ligado como exibidor) – que tiveram de fechar as portas. Nestes casos, o público foi desaparecendo devido a uma certa incapacidade de renovação. Relativamente ao Quarteto, Pedro Borges lembra que um dos grandes problemas eram “as condições físicas”. “O grau de exigência das pessoas aumentou muito. Em 1990 já ninguém queria ver os filmes nas condições em que se viam lá."
Reconhece que seria um grande risco abrir uma sala hoje num bairro envelhecido e com pouca vida. Mas esse problema não existe no Camões, por onde passam os mais variados públicos a diferentes horas do dia. “Lisboa não tem comparação com, já não falo de capitais, mas cidades médias em Itália, França, Alemanha, Holanda, que têm uma oferta muito maior deste género de salas”. Para a criação de um cinema com identidade, Pedro Borges conta com o trabalho de José Neves, que, além de conhecer bem o bairro — é nele que vive e trabalha —, tem falado com muitos moradores, e sabe qual a memória que existe do velho Ideal. “O que estamos a tentar fazer é pegar numa memória que está em muitos lisboetas e torná-la outra vez numa coisa viva, tirando partido do melhor que aqui se encontrou: a forma do espaço da sala de cinema, e alguns dos revestimentos, porque o resto estava destruído”, afirma o arquitecto.
Cinema aberto à rua
Quando as portas se abrirem e as pessoas entrarem, vão provavelmente reconhecer esse espaço da sala, com a parede escadeada dos anos 50, e o balcão em cima, desenhando uma curva suspensa sobre a plateia. “Mas o projecto, salvando o que é possível salvar de uma herança, não se limita a ela de forma nenhuma”. Este é um cinema do século XXI.
O jogo com a memória far-se-á por outro lado. “Não tem tanto a ver com as características originais do espaço, mas com a própria existência de um cinema aqui. Enquanto muitos cinemas eram edifícios feitos de raiz, com uma presença urbana muito forte, este era como se fosse mais uma loja da rua." Por isso, José Neves vai tratar a entrada como uma montra, e criar uma relação aberta entre o exterior e o interior.
E, aproveitando a linguagem da curva do balcão, desenhou curvas novas que ajudarão nesse “ir buscar” as pessoas à rua, trazendo-as para o interior do cinema, passando pela cafetaria, o espaço onde poderão sentar-se a beber um café e a conversar, até entrarem na sala de cinema. “Há um lado muito urbano, quase um prolongamento da rua." Outro aspecto que reforça essa relação muito forte com a cidade é o facto de, terminado o filme, as portas no fundo da sala se abrirem, e as pessoas saírem directamente para a luz, neste caso as traseiras, na Rua da Horta Seca. “É muito diferente de sair para os corredores climatizados de um centro comercial, e descer depois até um parque de estacionamento para nos metermos no automóvel e voltar para casa”, sublinha José Neves. “Este é mesmo um cinema aberto à rua, como a mercearia, a livraria ou o sapateiro, gosto muito desta ideia: o Cinema Ideal é a loja da esquina."