A reinvenção da tradição

Com este programa a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música demonstrou mais uma vez a sua versatilidade, executando com elevada qualidade obras pertencentes a épocas e a concepções musicais distintas.

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O desempenho de Viviane Hagner transmitiu uma clara sensação de transcendência técnica e expressiva João Messias/Casa da Música

O programa do concerto consistiu nas obras Body Mandala de Jonathan Harvey, Concerto para violino e orquestra de Unsuk Chin e Sinfonia em Dó de Igor Stravinsky.

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O programa do concerto consistiu nas obras Body Mandala de Jonathan Harvey, Concerto para violino e orquestra de Unsuk Chin e Sinfonia em Dó de Igor Stravinsky.

Body Mandala de Jonathan Harvey baseia-se na experiência vivida pelo compositor, em 2006, em mosteiros budistas. A obra alterna entre duas realidades sonoras distintas. A primeira, de evidente influência oriental, é protagonizada pelos trombones e trompetes, que tocam um tema inspirado na sonoridade poderosa da trompa tibetana e que remete para rituais nos quais o som é o principal veículo para a transcendência mística.

A segunda realidade, marcadamente ocidental, consiste num discurso musical mais complexo, com harmonias densas e dissonantes onde se destacam passagens solistas de algum virtuosismo (nomeadamente do clarinete, do trompete piccolo e do violino). A partitura recorre a uma orquestra numerosa, destacando-se a grande quantidade de instrumentos de sopro e a variedade de instrumentos de percussão.

A interpretação da OSP/CdM respondeu com bastante qualidade ao desafio proposto pela partitura de Harvey: a oposição e a harmonia entre duas realidades sonoras de características muito distintas que se alternam e sobrepõem ao longo do discurso musical. As partes solistas foram também executadas com um bom nível e respeitaram o carácter exigido pela partitura.

O concerto prosseguiu com a aguardada interpretação do Concerto para violino e orquestra de Unsuk Chin, composto em 2001. A parte solista exige um vasto conjunto de técnicas de execução, como a rápida alternância entre sons harmónicos e sons normais, cordas dobradas, trémulos, sul ponticello, harpejos, escalas e pizzicato. Tudo isto numa partitura de escrita instrumental complexa, organizada na estrutura clássica de quatro andamentos, onde a solista toca do primeiro ao último compasso praticamente sem paragens. O desempenho de Hagner transmitiu uma clara sensação de transcendência técnica e expressiva, tendo sido até hoje a única intérprete capaz de executar este concerto, o que diz muito sobre o grau de dificuldade da obra e sobre as qualidades musicais desta violinista.

A orquestra desempenha funções diferentes ao longo do Concerto de Chin. A maior parte do tempo é um suporte para o violino, mas em alguns momentos partilha o material temático e o protagonismo do violino solo integrando-se no mesmo plano. Apesar de tecnicamente a partitura não ser muito exigente para a orquestra, ela requer um controlo subtil das diferentes combinações instrumentais, de forma a manter uma relação equilibrada entre os diferentes registos e planos sonoros. A direcção segura do maestro Ilan Volkov contribuiu para uma interpretação bem conseguida.

A segunda parte do concerto transportou o público para um universo musical muito distinto. A Sinfonia em Dó de Igor Stravinsky baseia-se num discurso neoclássico no qual a melodia, a harmonia e o contraponto são os elementos mais importantes, distanciando-se assim das texturas e da exploração do som que marcam as obras de Harvey e de Chin. A interpretação foi em geral bastante satisfatória, merecendo especial referência o andamento lento da Sinfonia que, por ser concertante, colocou em evidência alguns dos instrumentistas da orquestra, destacando-se em particular o bom desempenho do oboísta, mas também das cordas de arco, do trompete e da flauta.

Com este programa a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música demonstrou mais uma vez a sua versatilidade executando com elevada qualidade obras pertencentes a épocas e a concepções musicais distintas. Merece também especial referência a direcção do maestro Ilan Volkov sempre segura, rigorosa e reveladora de um profundo conhecimento das três obras interpretadas.

O ciclo Descobertas Sinfónicas 2014, no qual se integrou este concerto, regressará em Setembro continuando a apresentar um conjunto de excelentes intérpretes e de repertório de referência dos séculos XX e XXI. É de realçar o facto de estarem incluídas estreias absolutas de três novas obras para orquestra (de Unsuk Chin, de Toshio Hosokawa e de Ana Seara, Jovem Compositora em Residência 2014) e ainda a estreia portuguesa do Concerto para Piano e Orquestra de Harrison Birtwistle. No que respeita aos intérpretes destaca-se a participação de Pierre-Laurent Aimard, Alban Gerhardt, Miklós Luckács, do Quarteto Arditti e o regresso de Peter Eötvos (como maestro e compositor).