PGR já esclareceu ministra sobre suspeitas de corrupção nos vistos gold
Paula Teixeira da Cruz garante que irá suspender ou exonerar de funções os responsáveis do seu ministério que venham a ser arguidos ou acusados no processo. Investigação visa altos quadros da administração pública.
À margem do 7.º Encontro da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal, no Centro Cultural de Belém, a ministra adiantou ter solicitado à PGR “informação legal e oportuna”. Não existem, para já, arguidos no processo, adiantou a Procuradoria.
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À margem do 7.º Encontro da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal, no Centro Cultural de Belém, a ministra adiantou ter solicitado à PGR “informação legal e oportuna”. Não existem, para já, arguidos no processo, adiantou a Procuradoria.
As autoridades estão a investigar altos responsáveis de vários departamentos do Estado suspeitos de terem recebido elevadas somas em troca destes vistos de residência, atribuídos a estrangeiros que fazem avultados investimentos em Portugal. Além de dirigentes superiores do Ministério da Justiça, a investigação visará também dirigentes do Ministério da Administração Interna e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), apontou fonte policial.
A polícia acredita que a divulgação do caso, com as notícias publicadas esta quinta-feira, serviu os interesses de quem pretendeu prejudicar ou mesmo comprometer a investigação, com o objectivo de alertar os visados que estarão a ser alvo de escutas telefónicas. Já em Março terá sido detectada uma fuga de informação no processo com o mesmo objectivo. A PGR não esclareceu se foi aberto um inquérito por violação do segredo de justiça.
Na área da tutela do Ministério da Justiça está o Instituto de Registos e Notariado, cujo presidente, António Figueiredo, está a ser investigado como foi esta quinta-feira noticiado e confirmado ao PÚBLICO por fonte policial. Figueiredo disse-se estupefacto com a notícia de que está a ser alvo da investigação, que foi confirmada pela PGR.
“O Ministério Público, coadjuvado pela PJ, no âmbito de um inquérito a correr termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, procede a investigações relacionadas com a matéria”, adiantou. A investigação foi entregue à secção da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ que, por norma, recebe os processos daquele departamento, indicou fonte da Judiciária.
“Estas notícias são inexplicáveis. Não entendo”, disse António Figueiredo ao PÚBLICO. “Quando fui contactado pela revista Sábado solicitei à PGR que me informasse se era alvo de algum tipo de suspeição, mas ainda não me responderam”, acrescentou.
Sob investigação estará também uma empresa da filha do presidente daquele instituto. Com um objecto social variado, da compra e venda de imóveis à prestação de serviços de documentação, passando pela comercialização de mármores e pela exploração de estabelecimentos de ensino, a Golden Vista Europe conta com dois sócios de nacionalidade chinesa, mas nunca teve, segundo António Figueiredo, sequer actividade desde que foi criada, em Outubro passado.
“Não se trata de uma imobiliária. Destinava-se a promover eventos”, refere o responsável, acrescentando que nunca teve nada a ver com a firma sediada em Cascais. E sublinha que o instituto que dirige não tem qualquer interferência no processo de emissão de vistos gold.
O gerente da empresa, Carlos Oliveira, avança, porém, outra versão. Diz que a firma foi constituída para vender imóveis aproveitando a lei dos vistos dourados, mas que nunca conseguiu transaccionar qualquer casa. "Como só dava despesas e não dava lucro foi encerrada", informa.
Informação em mandarim
De facto, muita da informação que consta do site da empresa está em mandarim. A mensagem de acolhimento aos visitantes é inequívoca: "Bem-vindos à Europa (zona de Shengen)". Aqui são apresentados imóveis de luxo em várias localizações: Lisboa, Sintra, Cascais e Algarve, entre outros locais.
Este processo não terá qualquer relação com o do caso do chinês, com visto gold, detido em Março, em Lisboa, após as autoridades portuguesas saberem de uma mandato internacional da Interpol que o visava. O detido era procurado por suspeita de burla, na China.
Fonte da PJ sublinhou ainda que, no âmbito desse processo foram reveladas fragilidades na atribuição dos vistos, mas não se verificaram os indícios agora apontados neste inquérito que visa altos quadros do Estado.
No âmbito desse caso, os investigadores recolheram indícios de que a compra de casas de valor superior a 500 mil euros ou a transferência, para Portugal, de capitais que ascendam a, pelo menos, um milhão de euros era apenas, na maior parte dos casos, um recurso legal para obter autorização de residência por mais de seis anos.
Para os cidadãos estrangeiros que conseguiram autorização, o objectivo, amiúde, era alcançar uma forma de conseguirem viajar sem obstáculos pelo espaço europeu, mais do que investir no país. Um artigo publicado esta quinta-feira pela revista Forbes sobre a fuga de capitais que está a ocorrer na China, por causa da luta das autoridades contra a corrupção, menciona Portugal como um dos países para onde os chineses, que não conseguem vistos norte-americanos, estão a desviar os seus investimentos.
A notícia deste caso apanhou de surpresa, esta quinta-feira, os inspectores e dirigentes do SEF, tendo provocado até indignação entre os quadros deste serviço face à suspeição generalizada, disse fonte daquela entidade.
O SEF sublinhou, entretanto, esta quinta-feira em comunicado que é “um dos principais interessados em que as notícias sejam esclarecidas, de forma célere e cabal”, estando disponível para a colaborar com a investigação. Aquele serviço garantiu ainda que “o procedimento de atribuição de autorizações de residência para investimento segue com rigor todas as disposições legais”.
“Esquema propício ao crime”, acusa Ana Gomes
A eurodeputada socialista Ana Gomes não se mostra surpreendida com as notícias de suspeitas de corrupção ao mais alto nível na atribuição de vistos dourados. “Fartei-me de avisar que isto ia acontecer. Trata-se de um esquema que se presta a todo o tipo de corrupção, dos mais baixos aos mais altos funcionários, e à lavagem de dinheiro”, declara. A eurodeputada defende que a atribuição de vistos gold é anti-europeia e devia ser pura e simplesmente abolida em Portugal, Espanha e nos outros países que têm recorrido a este sistema para aumentar receitas.
“Acho que ainda vamos descobrir muito mais sobre os vistos alguns dos quais foram certamente parar a tríades e outras organizações criminosas”. Para a eurodeputada, o sistema implantado corresponde a “uma vontade política do ministro Paulo Portas de favorecer esquemas” – que o PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar. “Era interessante que as autoridades investigassem o que se passa nos principais postos diplomáticos onde os vistos são pedidos”, observa Ana Gomes, dando como exemplo o caso de um congolês de Brazaville que contactou uma representação diplomática portuguesa num país europeu para tratar da papelada, que lhe daria livre circulação no espaço Schengen. “Propunha-se trazer numa mala para Portugal o dinheiro necessário [a emissão do visto requer a transferência de pelo menos um milhão de euros ou a aquisição de imóveis no valor de 500 mil]”, relata.