As duas vias

Foto
Gorbatchov e Deng Xiaoping na visita oficial do então líder russo a Pequim em Maio de 1989

Nessa reunião, que marcou o fim da cisão sino-soviética, o Secretário-Geral queria marcar as diferenças entre as políticas de reforma soviética e chinesa, mas sem criar novas divisões entre os dois rivais comunistas. Segundo Evgeni Primakov, que assistiu ao encontro, Gorbachev disse a Deng que os soviéticos tinham começado com reformas politicas e os chineses com reformas económicas mas, “no fim, chegaremos todos aos mesmos resultados”. Deng, de acordo com o relato do académico russo, “assentiu em silêncio”, com um gesto da cabeça.

Pela sua parte, o dirigente chinês tinha decidido vincar as diferenças, desde logo com a repressão da grande manifestação em Tian’anmen, onde os estudantes, sem sucesso, pediam a Gorbachev que fosse falar sobre as suas reformas políticas. Deng esperou que o dirigente soviético partisse para Moscovo antes de declarar a lei marcial e, nesse momento, teve de enfrentar a demissão de Zhao Ziyang, o Secretário-Geral do Partido Comunista da China, que se opôs à decisão de mobilizar o Exército Popular de Libertação contra os manifestantes. A primeira intervenção das forças armadas foi parada pelos habitantes de Pequim, que desceram à rua para cercar as unidades militares e obrigaram-nas a recuar. Para a velha guarda, a combinação entre as divisões internas na direcção comunista e as manifestações de massa era uma ameaça existencial ao regime comunista e Deng mandou as tropas regressar e usar a violência.

No dia 4 de Junho, a repressão brutal de Tian’anmen terminou a crise em Pequim e confirmou a via chinesa. Deng garantiu a sobrevivência do regime comunista e a continuidade da liberalização económica e do programa das “Quatro Modernizações”, sem a democratização, ou a “Quinta Modernização”, reclamada pelos manifestantes. Essa via foi seguida, sem falhas, por três gerações de sucessores na direcção do Partido Comunista da China até aos nossos dias.

Nesse mesmo dia 4 de Junho realizaram-se na Polónia as primeiras eleições parcialmente livres na Europa de Leste desde 1947, na via das reformas de Gorbachev. Os resultados foram um desastre para o Partido Comunista polaco, que não conseguiu eleger nenhum dos seus dirigentes, enquanto o Solidariedade, o sindicato da oposição anti-comunista,  fazia eleger todos os seus candidatos à primeira volta, com uma excepção. Os comunistas polacos apelaram a Gorbachev, mas o dirigente soviético não estava preparado para mandar o Exército soviético salvar o “partido-irmão”: a credibilidade interna e externa da perestroika não sobreviveria ao regresso da “doutrina Brezhnev”.

Sem a protecção soviética, os regimes comunistas na Europa de Leste cairam uns atrás dos outros nos seis meses seguintes. O fim do regime comunista na RDA significou a abertura do processo de reunificação da Alemanha, que se completou em Outubro de 1990. Sem o muro de Berlim para a defender dos ventos da liberdade, a União Soviética desfez-se, entre o golpe comunista falhado de Agosto de 1991 e a “parada das soberanias” que marcou a ressurgência dos nacionalismos. Em 25 de Dezembro, Gorbachev renunciou e, com a dissolução da União Soviética, terminou a Guerra Fria.

Na mesma data, no dia 4 de Junho de 1989, as duas vias separaram-se definitivamente e, no fim, chegaram a resultados radicalmente diferentes. A via chinesa de Deng Xiaoping escolheu a violência, recusou a democratização e consolidou a autocracia comunista para garantir a continuidade das reformas da economia e da sociedade que tornaram possivel a ressurgência da China como uma grande potência. A via soviética de Mikhail Gorbachev escolheu a democratização, recusou a violência e falhou no seu desígnio de transformar o regime comunista russo num “socialismo de rosto humano”, mas pôde assegurar o fim pacífico da Guerra Fria.
 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Nessa reunião, que marcou o fim da cisão sino-soviética, o Secretário-Geral queria marcar as diferenças entre as políticas de reforma soviética e chinesa, mas sem criar novas divisões entre os dois rivais comunistas. Segundo Evgeni Primakov, que assistiu ao encontro, Gorbachev disse a Deng que os soviéticos tinham começado com reformas politicas e os chineses com reformas económicas mas, “no fim, chegaremos todos aos mesmos resultados”. Deng, de acordo com o relato do académico russo, “assentiu em silêncio”, com um gesto da cabeça.

Pela sua parte, o dirigente chinês tinha decidido vincar as diferenças, desde logo com a repressão da grande manifestação em Tian’anmen, onde os estudantes, sem sucesso, pediam a Gorbachev que fosse falar sobre as suas reformas políticas. Deng esperou que o dirigente soviético partisse para Moscovo antes de declarar a lei marcial e, nesse momento, teve de enfrentar a demissão de Zhao Ziyang, o Secretário-Geral do Partido Comunista da China, que se opôs à decisão de mobilizar o Exército Popular de Libertação contra os manifestantes. A primeira intervenção das forças armadas foi parada pelos habitantes de Pequim, que desceram à rua para cercar as unidades militares e obrigaram-nas a recuar. Para a velha guarda, a combinação entre as divisões internas na direcção comunista e as manifestações de massa era uma ameaça existencial ao regime comunista e Deng mandou as tropas regressar e usar a violência.

No dia 4 de Junho, a repressão brutal de Tian’anmen terminou a crise em Pequim e confirmou a via chinesa. Deng garantiu a sobrevivência do regime comunista e a continuidade da liberalização económica e do programa das “Quatro Modernizações”, sem a democratização, ou a “Quinta Modernização”, reclamada pelos manifestantes. Essa via foi seguida, sem falhas, por três gerações de sucessores na direcção do Partido Comunista da China até aos nossos dias.

Nesse mesmo dia 4 de Junho realizaram-se na Polónia as primeiras eleições parcialmente livres na Europa de Leste desde 1947, na via das reformas de Gorbachev. Os resultados foram um desastre para o Partido Comunista polaco, que não conseguiu eleger nenhum dos seus dirigentes, enquanto o Solidariedade, o sindicato da oposição anti-comunista,  fazia eleger todos os seus candidatos à primeira volta, com uma excepção. Os comunistas polacos apelaram a Gorbachev, mas o dirigente soviético não estava preparado para mandar o Exército soviético salvar o “partido-irmão”: a credibilidade interna e externa da perestroika não sobreviveria ao regresso da “doutrina Brezhnev”.

Sem a protecção soviética, os regimes comunistas na Europa de Leste cairam uns atrás dos outros nos seis meses seguintes. O fim do regime comunista na RDA significou a abertura do processo de reunificação da Alemanha, que se completou em Outubro de 1990. Sem o muro de Berlim para a defender dos ventos da liberdade, a União Soviética desfez-se, entre o golpe comunista falhado de Agosto de 1991 e a “parada das soberanias” que marcou a ressurgência dos nacionalismos. Em 25 de Dezembro, Gorbachev renunciou e, com a dissolução da União Soviética, terminou a Guerra Fria.

Na mesma data, no dia 4 de Junho de 1989, as duas vias separaram-se definitivamente e, no fim, chegaram a resultados radicalmente diferentes. A via chinesa de Deng Xiaoping escolheu a violência, recusou a democratização e consolidou a autocracia comunista para garantir a continuidade das reformas da economia e da sociedade que tornaram possivel a ressurgência da China como uma grande potência. A via soviética de Mikhail Gorbachev escolheu a democratização, recusou a violência e falhou no seu desígnio de transformar o regime comunista russo num “socialismo de rosto humano”, mas pôde assegurar o fim pacífico da Guerra Fria.