Os desafios de Felipe VI, o sucessor do rei Juan Carlos
Pode a monarquia sobreviver ao fim do “juancarlismo”, a forma como o actual monarca exerceu o seu cargo?
“Nem o rei está cansado, nem o príncipe impaciente”. A frase é da rainha Sofia e esta declaração no livro La Reina Muy de Cerca, “A Rainha de perto”, teve o efeito contrário ao pretendido. O objectivo, a poucos dias do monarca fazer 70 anos, era acabar com os rumores que, já há seis anos, tornavam credível a abdicação. De que o rei morreria na cama. O resultado, no entanto, foi o relançamento da polémica.
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“Nem o rei está cansado, nem o príncipe impaciente”. A frase é da rainha Sofia e esta declaração no livro La Reina Muy de Cerca, “A Rainha de perto”, teve o efeito contrário ao pretendido. O objectivo, a poucos dias do monarca fazer 70 anos, era acabar com os rumores que, já há seis anos, tornavam credível a abdicação. De que o rei morreria na cama. O resultado, no entanto, foi o relançamento da polémica.
“O rei está consciente das críticas, doem-lhe mais as da direita, as que o acusam de falta de actuação na defesa da unidade de Espanha”, disse ao PÚBLICO, na altura, o historiador Charles Powell. As primeiras manifestações, ainda ontem, de sectores republicanos e nacionalistas que aproveitam o anúncio da abdicação para pedir um referendo sobre a vigência da monarquia, revelam a acuidade da questão. Este é o primeiro desafio do futuro monarca.
A novidade é que a polémica ocorre quando a popularidade das instituições democráticas em Espanha, Coroa incluída, está num mau momento. “Darão um bonito casal para o exílio”, diziam dois jovens, na Praça 2 de Maio de Madrid, no dia do casamento de Felipe com Letizia. Era uma manifestação alternativa à margem dos festejos oficiais de 22 de Maio de 2004, e quem o dizia representava uma minoria. Hoje, a sucessão é marcada, como o próprio monarca o disse esta quinta-feira, pela necessidade de um novo impulso.
É certo que as consequências das pressões nacionalistas, pois a discussão da Monarquia vem de mão dada com a independência de alguns dos territórios, são travadas por Bruxelas pelas disposições do Tratado de Lisboa que consagra a estabilidade das fronteiras dos Estados-membros. Mas não é menos verdade que episódios recentes, afectando os usos e costumes da Família Real, delapidaram o antigo prestígio. Alicerçado num paradoxo curioso: mais que monárquicos, os espanhóis foram “juancarlistas” – adeptos de Juan Carlos – a quem agradeceram o seu papel no fim da ditadura.
Se Felipe ainda conheceu Franco, o seu percurso foi em democracia. Não teve, nem podia ter pela idade, qualquer papel histórico decisivo. E ter sido porta-estandarte da delegação espanhola aos Jogos Olímpicos de Barcelona de 1992 é, para os críticos da unidade de Espanha, um cartão-de-visita de má memória. Saberá Felipe VI tornear o problema? De que capital dispõe para a tarefa?
Preparado para rei, Felipe Juan Pablo Alfonso de Todos los Santos de Bourbón e Grécia, teve uma educação diferente à do seu pai. Em Espanha, frequentou o colégio privado “Los Rosales”, de Pozuelo de Alarcón, mas afastou-se dos filhos-família. Esteve em universidades espanholas normais e nas obrigatórias Academias Militares. Estudou, ainda, no Lakefield College School e na Universidade de Georgetown. Um percurso cosmopolita para um mundo global.
Será suficiente este curriculum para os desafios? Tão importante como a preparação é a capacidade de comunicar e comungar os problemas dos seus concidadãos. A “monarquia de proximidade”, na qual Juan Carlos sempre foi exímio.
Com 46 anos, terá cumplicidades geracionais na política, como o pai, e a sua liderança será reconhecida pela juventude espanhola, como a dos anos 70 se reviu na de Juan Carlos? Casou com a divorciada Letizia Ortiz, da classe média/baixa, antiga pivot de telejornais. Será suficiente para a aproximação à sociedade? Na sua vida pessoal, depois dos namoros com a aristocrata Isabel Sartorius e a modelo Eva Sannum, mais que aguardada é exigida contenção. As companhias femininas fizeram estragos na popularidade do seu pai.
No século XXI, a cumplicidade masculina de outrora não favorece sondagens nem desempenhos. Com poderes limitados constitucionalmente, pode denunciar problemas e flagelos – como o desemprego juvenil –, mas sem decidir. Não tem o poder de influência republicano. Com tais limitações só tem uma solução. O futuro monarca terá de fazer gestos claros. De discrição e contenção. Sem exibicionismo social, malvisto numa sociedade com profundas cicatrizes devido à crise económica. E manter afastada do Palácio da Zarzuela a ganga da corte que o seu pai nunca permitiu.
Só assim poderá lidar com os escândalos que afectam Iñaki Urdangarin, marido da sua irmã Cristina, que em poucos anos de negócios e tráfico de influências trabalhou mais contra o prestígio da monarquia que todas as campanhas dos republicanos espanhóis. Afastar os afectos e impor a razão de Estado é outro dos desafios.
“Encara a estabilidade, tem maturidade e preparação para uma nova etapa”, garantiu Juan Carlos, falando, aos espanhóis, do seu filho. O mesmo monarca que, há três anos, pediu desculpa pelo seu comportamento com uma aristocrata alemã numa caçada no Botswana, recorreu ao capital de sinceridade então conquistado. A resposta aos desafios virá no discurso da coroação. Se Felipe VI conquistar os espanhóis, será Felipe, o continuador do “juancarlismo”. Se assim for, não viverá sobressaltos.