Sonhos que nunca cumpriremos
Precisamos de viver emoções, de testar vertigens e readquirir equilíbrios outra vez, sem nunca ser tarde demais. Temos de exigir o impossível e achar normal. De cair e erguer, sem nunca o medo nos dominar mais do que é preciso
Amava andar em cima de um comboio, com a mistura explosiva do medo de cair com a calma de ver o mundo de um angulo vertiginosamente mais apetecível. Mas há sonhos que dificilmente cumpriremos, porque somos demasiado comprometidos com a vida. E ainda bem.
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Amava andar em cima de um comboio, com a mistura explosiva do medo de cair com a calma de ver o mundo de um angulo vertiginosamente mais apetecível. Mas há sonhos que dificilmente cumpriremos, porque somos demasiado comprometidos com a vida. E ainda bem.
Mas para ser feliz não basta ter compromissos e conseguir realizá-los. Não chega. Soa a pouco, a demasiado pouco. Precisamos de mais, de muito mais.
Precisamos de sonhos acordados e de asas para os viver, para os testar. Temos esta enorme necessidade de explorar e ser descobertos, de conhecer, experimentar e saber mais, muito mais. Às vezes não sabemos isso: pensamos que para ser feliz basta construir um caminho bom e seguro. Basta amar, construir um lar, educar e criar condições para que esse caminho de compromissos responsáveis continue de forma sustentável, equilibrada. Não chega, não basta. E é também por esta inocência que tantos acabam separados, divorciados de um modelo de vida que era para ser para sempre.
Precisamos de mais, de tanto mais.
Precisamos de viver emoções, de testar vertigens e readquirir equilíbrios outra vez, sem nunca ser tarde demais. Temos de exigir o impossível e achar normal. De falhar e tentar de novo. De cair e erguer, uma e outra vez, sem nunca o medo nos dominar mais do que é preciso.
Precisamos de saber e de perceber: porque é que damos tudo por alguém novo e é tão difícil dar esse tudo por alguém que já temos, sempre e para sempre? Será esse um sentimento animal, será a adrenalina da caça pela novidade essencial a chegarmos mais longe no esforço? A conquista acaba por parecer mais importante do que manter uma relação, do que segurar o amor conquistado, por muito que achemos que não, que queiramos que não.
E aqueles que passam a vida em testes e experiências, em conquistas e descobertas, em viagens sem garantia de retorno? Terão a garantia de felicidade, nesse percurso de adrenalina e prazeres imediatos? Duvido seriamente. Suspeito sempre do efeito da gratificação imediata no longo prazo. O carrossel é para dar só umas voltas e a montanha russa é só para experimentar: viver lá deve ser um pesadelo sem retorno.
Viver uma vida de experiências inconsistentes é tão errado como assumir que só precisamos de compromissos e um caminho desenhado e linear: acabamos reféns da nossa inocência, numa tragédia privada onde somos espectadores e actores.
Precisamos de fazer as duas coisas, de experimentar e descobrir e de assumir compromissos. Precisamos de saber errar e aprender, de evoluir e chegar mais longe, de evitar caminhos lineares, que acabam quase sempre por ser os mais perigosos. Precisamos de evitar ser toldados pelo doce aroma da segurança, que nos turva a percepção do perigo em que estamos. É mais seguro um perigo controlado, cheio de pequenas adrenalinas que tornam a vida interessante, com piada e sem um destino aborrecidamente conhecido.
E nesse caminho consciente que vamos traçando, temos que assumir compromissos também. São esses enlaces que vão ser os nós que nos amarram a um longo prazo que seja mais que uma manta de retalhos. Saber recalibrar e redireccionar em cada estágio deste caminho inédito que queremos para nós é o pequeno truque secreto que evita a tragédia de acabar num pátio fechado, onde não há mais caminhos, só o doce perigo de ficar à espera de definhar.