A vida de um mestre na política de bastidores

Gere a sua imagem com discrição, apesar de saber ser uma força da natureza num palco de comício. É mestre na gestão de pessoas e em mobilização política. Fez os líderes do PS nas últimas décadas. O seu nome é sinónimo de poder e influência. Jorge Coelho, à beira dos 60 anos, agora em pausa para o futuro.

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António Guterres e Jorge Coelho Daniel Rocha

Quando os socialistas vivem uma verdadeira guerra pelo poder, depois de António Costa ter desafiado o secretário-geral, António José Seguro, a disputar em eleições internas a liderança do partido e as estruturas e personalidades se dividem e alinham em torno dos dois, é posto à venda um livro que desvenda parte da história recente de como foram vividos e geridos os bastidores da política no PS e no país durante a ultima década do século passado e a primeira do século XXI.

O livro relata, numa leitura fácil, episódios reais da história política portuguesa através da ligação que a ele teve um dos principais dirigentes do PS durante duas décadas e que hoje é ainda um homem com uma influência determinante dentro do PS, mas não só. E é um facto que até hoje e desde a eleição de António Guterres como secretário-geral do PS em 1992, não houve secretário-geral eleito sem o apoio explícito de Jorge Coelho.

Esse aspecto é bem patente nesta biografia, quer na eleição de Guterres, quer na de Ferro Rodrigues, quer na de José Sócrates, quer na de António José Seguro. E uma das expectativas em relação ao presente, e que como é óbvio o livro não aborda, é a de saber o que pensa Jorge Coelho do actual momento que se vive no PS. Isto porque - apesar de o livro não relatar esse pormenor, porque é recente -, é sabido que a opinião de Jorge Coelho foi determinante para que António Costa tenha desistido de se candidatar à liderança do PS em 2013 e ter entrado então em acordo com Seguro.

Nascido a 17 de Julho de 1954, em Viseu, Jorge Coelho tem o percurso normal de um rapaz de classe média de província da sua geração, um caminho que acaba em Lisboa e na Universidade, onde se forma em gestão. Contada por Fernando Esteves, a história banal de Jorge Coelho é complementada com outra circunstância que é comum aos jovens universitários da sua época que foram apanhados pelo 25 de Abril no início da sua idade adulta, a militância partidária, primeiro na CDE, depois na UDP, por fim no PS.

Encontro para a vida

Mas a história de Jorge Coelho deixa de ser banal e igual à de muitos outros no momento de um encontro que lhe marcará a vida e que lhe permitirá desenvolver as suas qualidades e peculiaridades, que o transformam num dos homens que em Portugal melhor sabe gerir situações e pessoas. É um mestre de negociação e de gestão política primeiro e depois empresarial.

Esse momento mágico para ambos é o encontro entre Jorge Coelho e António Guterres. No livro, ele é salientado por Fernando Esteves, através do depoimento de Murteira Nabo, responsável pelo encontro entre os dois em 1983. Murteira Nabo era entãosecretário de Estado dos Transportes, no Governo do Bloco Central e que de quem Coelho era primo, chefe de gabinete e com quem estaria no Governo de Macau. O jantar deu-se em casa de Santos Ferreira, compadre de Guterres, quando este fazia a sua travessia no deserto partidário, depois de ter ficado fora do Parlamento, por acção da limpeza nas listas eleitorais que Mário Soares fez do grupo do ex-Secretariado. Diz Murteira Nabo, citado por Fernando Esteves: “Notou-se que houve química entre eles. Percebi que um podia ser a extensão do braço do outro, que o Jorge podia acompanhar o ritmo do Guterres nas coisas mais concretas e práticas.”

Dai até hoje, existe uma amizade e uma relação de cumplicidade pessoal e política que determinou a história de Portugal e que poderá ainda vir a fazê-lo. O próprio Fernando Esteves alerta para isso, quando no prefácio ao livro cita Guterres a admitir que não exclui em definitivo a hipótese de se candidatar a Presidente da República, bem como quando adverte que Jorge Coelho pode ser ainda um agente político activo, pois poderá fazer o que quiser na política.

Uma atitude rara

A singularidade da estirpe política de Jorge Coelho manifestou-se no que foi um dos episódios mais trágicos da vida portuguesa: a queda da Ponte de Entre-os-Rios, a 4 de Março de 2001, que lançou para a morte 59 pessoas. Assumindo a responsabilidade política pela ponte não ter sido reparada a tempo de não ruir, Jorge Coelho teve um gesto raro em Portugal: demitiu-se do cargo de ministro do Equipamento Social, alegando que “a culpa não pode morrer solteira.” Um gesto que o então primeiro-ministro tenta impedir, mas que é inabalável da parte de Jorge Coelho.

Depois é o regresso ao Parlamento, como deputado, um papel demasiado frustrante para Jorge Coelho, que se demite em 2006 e abandona também todos os cargos no partido. No livro, seguem-se ainda dois momentos da vida de Coelho que são menos conhecidos, um privado, de doença, e outro de entrada na gestão de empresas.

De forma discreta mas sem falso pudor, Fernando Esteves conta como Jorge Coelho viveu e venceu um gravíssimo cancro no ouvido, em 2003. Com a mesma discrição faz o retrato do gestor que, entre 2008 e 2013, internacionalizou a Mota-Engil e partilhou com o seu amigo Dias Loureiro a mágoa de ser atacado por ter aceitado dirigir a empresa que, anos antes, como ministro, tutelou.

Um percurso de gestor que exerceu com brilho, de acordo com António Mota, dono da Mota-Engil, citado por Fernando Esteves: “Vi-o a conseguir coisas incríveis. Ele é valioso para qualquer empresa porque, entre outras coisas, um capital de conhecimentos que mais ninguém possui.” Facilidade que é explicada pelo próprio: “Quando entrei, uma parte dos ministros com quem tínhamos de falar eram pessoas que eu conhecera enquanto governante. Tinham sido meus colegas! E acontecia o mesmo com os embaixadores – o de Portugal no Brasil, que na altura era o Seixas da Costa, foi meu colega no Governo durante seis anos. Ajudou-nos muito no projecto de instalação no país.”

Agora, fora do mundo das empresas, ainda não voltou à política activa. Um caminho que poderá sempre retomar, com e pelo seu amigo Guterres, mas também por si mesmo.
 

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Quando os socialistas vivem uma verdadeira guerra pelo poder, depois de António Costa ter desafiado o secretário-geral, António José Seguro, a disputar em eleições internas a liderança do partido e as estruturas e personalidades se dividem e alinham em torno dos dois, é posto à venda um livro que desvenda parte da história recente de como foram vividos e geridos os bastidores da política no PS e no país durante a ultima década do século passado e a primeira do século XXI.

O livro relata, numa leitura fácil, episódios reais da história política portuguesa através da ligação que a ele teve um dos principais dirigentes do PS durante duas décadas e que hoje é ainda um homem com uma influência determinante dentro do PS, mas não só. E é um facto que até hoje e desde a eleição de António Guterres como secretário-geral do PS em 1992, não houve secretário-geral eleito sem o apoio explícito de Jorge Coelho.

Esse aspecto é bem patente nesta biografia, quer na eleição de Guterres, quer na de Ferro Rodrigues, quer na de José Sócrates, quer na de António José Seguro. E uma das expectativas em relação ao presente, e que como é óbvio o livro não aborda, é a de saber o que pensa Jorge Coelho do actual momento que se vive no PS. Isto porque - apesar de o livro não relatar esse pormenor, porque é recente -, é sabido que a opinião de Jorge Coelho foi determinante para que António Costa tenha desistido de se candidatar à liderança do PS em 2013 e ter entrado então em acordo com Seguro.

Nascido a 17 de Julho de 1954, em Viseu, Jorge Coelho tem o percurso normal de um rapaz de classe média de província da sua geração, um caminho que acaba em Lisboa e na Universidade, onde se forma em gestão. Contada por Fernando Esteves, a história banal de Jorge Coelho é complementada com outra circunstância que é comum aos jovens universitários da sua época que foram apanhados pelo 25 de Abril no início da sua idade adulta, a militância partidária, primeiro na CDE, depois na UDP, por fim no PS.

Encontro para a vida

Mas a história de Jorge Coelho deixa de ser banal e igual à de muitos outros no momento de um encontro que lhe marcará a vida e que lhe permitirá desenvolver as suas qualidades e peculiaridades, que o transformam num dos homens que em Portugal melhor sabe gerir situações e pessoas. É um mestre de negociação e de gestão política primeiro e depois empresarial.

Esse momento mágico para ambos é o encontro entre Jorge Coelho e António Guterres. No livro, ele é salientado por Fernando Esteves, através do depoimento de Murteira Nabo, responsável pelo encontro entre os dois em 1983. Murteira Nabo era entãosecretário de Estado dos Transportes, no Governo do Bloco Central e que de quem Coelho era primo, chefe de gabinete e com quem estaria no Governo de Macau. O jantar deu-se em casa de Santos Ferreira, compadre de Guterres, quando este fazia a sua travessia no deserto partidário, depois de ter ficado fora do Parlamento, por acção da limpeza nas listas eleitorais que Mário Soares fez do grupo do ex-Secretariado. Diz Murteira Nabo, citado por Fernando Esteves: “Notou-se que houve química entre eles. Percebi que um podia ser a extensão do braço do outro, que o Jorge podia acompanhar o ritmo do Guterres nas coisas mais concretas e práticas.”

Dai até hoje, existe uma amizade e uma relação de cumplicidade pessoal e política que determinou a história de Portugal e que poderá ainda vir a fazê-lo. O próprio Fernando Esteves alerta para isso, quando no prefácio ao livro cita Guterres a admitir que não exclui em definitivo a hipótese de se candidatar a Presidente da República, bem como quando adverte que Jorge Coelho pode ser ainda um agente político activo, pois poderá fazer o que quiser na política.

Uma atitude rara

A singularidade da estirpe política de Jorge Coelho manifestou-se no que foi um dos episódios mais trágicos da vida portuguesa: a queda da Ponte de Entre-os-Rios, a 4 de Março de 2001, que lançou para a morte 59 pessoas. Assumindo a responsabilidade política pela ponte não ter sido reparada a tempo de não ruir, Jorge Coelho teve um gesto raro em Portugal: demitiu-se do cargo de ministro do Equipamento Social, alegando que “a culpa não pode morrer solteira.” Um gesto que o então primeiro-ministro tenta impedir, mas que é inabalável da parte de Jorge Coelho.

Depois é o regresso ao Parlamento, como deputado, um papel demasiado frustrante para Jorge Coelho, que se demite em 2006 e abandona também todos os cargos no partido. No livro, seguem-se ainda dois momentos da vida de Coelho que são menos conhecidos, um privado, de doença, e outro de entrada na gestão de empresas.

De forma discreta mas sem falso pudor, Fernando Esteves conta como Jorge Coelho viveu e venceu um gravíssimo cancro no ouvido, em 2003. Com a mesma discrição faz o retrato do gestor que, entre 2008 e 2013, internacionalizou a Mota-Engil e partilhou com o seu amigo Dias Loureiro a mágoa de ser atacado por ter aceitado dirigir a empresa que, anos antes, como ministro, tutelou.

Um percurso de gestor que exerceu com brilho, de acordo com António Mota, dono da Mota-Engil, citado por Fernando Esteves: “Vi-o a conseguir coisas incríveis. Ele é valioso para qualquer empresa porque, entre outras coisas, um capital de conhecimentos que mais ninguém possui.” Facilidade que é explicada pelo próprio: “Quando entrei, uma parte dos ministros com quem tínhamos de falar eram pessoas que eu conhecera enquanto governante. Tinham sido meus colegas! E acontecia o mesmo com os embaixadores – o de Portugal no Brasil, que na altura era o Seixas da Costa, foi meu colega no Governo durante seis anos. Ajudou-nos muito no projecto de instalação no país.”

Agora, fora do mundo das empresas, ainda não voltou à política activa. Um caminho que poderá sempre retomar, com e pelo seu amigo Guterres, mas também por si mesmo.