A crise no PS – uma excelente notícia!

A crise do país, como a da Europa, é a crise de lideranças, a submissão de 27 Estados aos ditames da senhora Merkel.

Foi penoso ver Ana Gomes, na SIC, defender a continuidade do “líder”, contra as evidências que João Galamba lhe pôs à frente, ela que tem boas razões de queixa de Seguro, que abandonou o heróico presidente da Câmara de Viana à sua sorte, enquanto sozinha processava o ministro pelo obscuro processo que conduziu à entrega dos Estaleiros à Martifer. Foi doloroso ouvir João Soares dizer o que disse do seu camarada António Costa, sem se precaver contra inevitáveis interpretações freudianas das suas declarações. Os outros, Francisco Assis, Alberto Costa, Álvaro Beleza e alguns anónimos limitaram-se a confirmar o seu triste voto de fidelidade ao “líder” em exercício e a agarrar-se aos estatutos, como a uma bóia de sobrevivência.

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Foi penoso ver Ana Gomes, na SIC, defender a continuidade do “líder”, contra as evidências que João Galamba lhe pôs à frente, ela que tem boas razões de queixa de Seguro, que abandonou o heróico presidente da Câmara de Viana à sua sorte, enquanto sozinha processava o ministro pelo obscuro processo que conduziu à entrega dos Estaleiros à Martifer. Foi doloroso ouvir João Soares dizer o que disse do seu camarada António Costa, sem se precaver contra inevitáveis interpretações freudianas das suas declarações. Os outros, Francisco Assis, Alberto Costa, Álvaro Beleza e alguns anónimos limitaram-se a confirmar o seu triste voto de fidelidade ao “líder” em exercício e a agarrar-se aos estatutos, como a uma bóia de sobrevivência.

Quanto às tristes peripécias estamos conversados. Seguro é um “líder” a prazo, um patético sobrevivente, um homem que passou a viver, desde segunda-feira, barricado no Rato, assombrado pela sua própria sombra. Vamos à substância.

Desde a grande manifestação popular de 15 de Setembro de 2012, sobretudo desde a demissão de Gaspar, a cambalhota de Portas e a tentativa patética de Cavaco para mostrar que estava vivo, qualquer líder do PS teria levado o país para eleições antecipadas e ganho com maioria absoluta. Desde então até agora, o descontentamento aumentou, pelos atentados diários aos direitos dos cidadãos, pelas mentiras do Governo, pela vil abdicação da nossa soberania, pelo caminho aberto para o abismo. Seguro assistiu a tudo, paralisado e impotente, fazendo os serviços mínimos: umas proclamações semanais no Parlamento, umas declarações avulsas garantindo vagamente que o país não aguentava mais austeridade. Quando era preciso aparecer, escondeu-se. No caso dos Estaleiros, na privatização dos CTT, em todos os casos em que a soberania do país e os direitos das pessoas estavam em causa, deixou esse papel ao PCP, ao BE, à CGTP e a cidadãos que, em desespero, multiplicavam as petições nas redes sociais.

Pretender que foi uma vitória eleitoral, quando cativou apenas 10% do descontentamento dos portugueses (menos do que o número de desempregados!), exigir eleições antecipadas, quando, pelas mesmas razões, devia ser o primeiro a exigi-las no seu partido, pretender que este resultado é a projecção antecipada do que serão as legislativas, sem explicar com quem se iria associar no governo para resolver o imbróglio de não ter conseguido uma maioria, é um prenúncio do desastre que seria se, a exemplo de Hollande, este jovem inexperiente e incapaz de decidir alguma vez chegasse a S. Bento. A defesa disfarçada que a coligação fez da “sua vitória” na noite das eleições devia bastar para nos elucidar.

O país vive a maior crise da sua História, depois da que antecedeu a proclamação do Mestre de Aviz, de Alcácer Quibir, de meio século de ditadura, porque aceitou por descuido que lhe roubassem a soberania, e que uma geração de políticos de aviário e um presidente mumificado lhe viessem dizer que não havia alternativa, que a culpa foi dos outros e que tínhamos de nos resignar à miséria e à escravidão. A crise do país, como a da Europa, é a crise de lideranças, a submissão de 27 Estados aos ditames da senhora Merkel, o que provoca um crescente nacionalismo isolacionista e antidemocrático na sua versão mais assustadora.

António Costa é alguém que já provou ser capaz de gerar consensos sem abdicar dos princípios. No estado em que está o país e a UE, é um acto de coragem e de patriotismo ter desafiado a liderança do PS. Mas a sua vitória pode também abrir caminho a que, no PSD e no CDS, possa emergir um idêntico apelo de fundo dos militantes que guardam um resto de dignidade e um assomo de patriotismo, para que mudem as lideranças e as orientações dos seus partidos.

Somos um pequeno país no concerto das nações europeias, que, em 1992, se deixaram enredar na teia de uma globalização sem freio e sem regras, na miragem de uma Europa federal alargada, em nome de uma paz duradoura e da mirífica coesão solidária dos Estados. Passos Coelho e a sua ministra das Finanças, com a cumplicidade de Portas, de Cavaco e de 108 deputados, quiseram fazer-nos crer que a destruição do Estado social e a venda do património eram a factura inevitável que a Europa nos cobrava por ter financiado a nossa integração, e o castigo da nossa apregoada nonchalance. Mas somos também o mais velho país da Europa, que deu provas de saber conviver com outros povos e outras culturas sem abdicar de prezar a sua independência.

Não é fácil governar um país, nesta Europa que se desfaz aos bocados, aprisionada pela lógica predadora do capitalismo global e pela gestão burocrática dos seus alegados interesses. Mas há que tentar. O gesto de António Costa é uma promessa arriscada: para ele e para nós. Porque a esperança gasta-se a cada nova decepção. Mas há que confiar que é possível mudar de política e, sobretudo, de atitude. Há que estabelecer os limites do tolerável, que encontrar alternativas à austeridade, que tomar medidas que devolvam a esperança no Estado, a confiança na Justiça e na solidariedade entre gerações. Sobretudo, há que falar verdade e repor a credibilidade na política e a confiança nos nossos representantes. Como disse Giraudoux: “A Pátria está em perigo, mas, se calhar, esse perigo é o que nos resta da Pátria.”

Cineasta