Direito ao esquecimento, à censura ou... à cegueira?

A cegueira da CNPD caiu sobre o Museu da Polícia Judiciária.

Este direito ao esquecimento, a uma espécie de apagamento do passado no mundo virtual levanta inúmeros problemas e, segundo já é referido na imprensa online, no Reino Unido, os primeiros pedidos de apagamento de dados pessoais na Internet vieram de um ex-político que quer ser reeleito e quer ver apagado um artigo sobre o seu comportamento no trabalho, de um ex-condenado pela posse de imagens de abusos de menores que pretende que sejam eliminados os dados online respeitantes à pena de prisão que cumpriu e um médico que pretende apagar os comentários de antigos pacientes seus sobre o seu trabalho. Ninguém sabe o número de pedidos que terá desabado sobre a Google e outros motores de busca e, muito menos, como se irão processar estes pedidos.

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Este direito ao esquecimento, a uma espécie de apagamento do passado no mundo virtual levanta inúmeros problemas e, segundo já é referido na imprensa online, no Reino Unido, os primeiros pedidos de apagamento de dados pessoais na Internet vieram de um ex-político que quer ser reeleito e quer ver apagado um artigo sobre o seu comportamento no trabalho, de um ex-condenado pela posse de imagens de abusos de menores que pretende que sejam eliminados os dados online respeitantes à pena de prisão que cumpriu e um médico que pretende apagar os comentários de antigos pacientes seus sobre o seu trabalho. Ninguém sabe o número de pedidos que terá desabado sobre a Google e outros motores de busca e, muito menos, como se irão processar estes pedidos.

Como referimos a semana passada, este direito ao esquecimento só é imaginável na Europa, uma vez que nos Estados Unidos da América tudo o que aconteceu, se pode, teoricamente, para sempre saber. O que leva, por exemplo, a casos extremos e absolutamente chocantes para as mentalidades europeias, como é o caso das mug shots.

Estas fotografias que são tiradas pela polícia logo que uma pessoa é detida, independentemente de vir a ser alguma vez julgada e condenada, são, em muitos estados norte-americanos, colocadas imediatamente em arquivos de acesso público, o que permitiu a criação de uma verdadeira indústria à volta das mug shots. Há diversos sites especializados nessas fotografias com os comentários mais violentos e absurdos e, ao mesmo tempo, há empresas a quem se paga para tirarem as mug shots desses sites...

Certo é que essas fotografias passam a associar para sempre uma pessoa a uma qualquer  actividade criminosa, tornando mais difícil, quando não impossível, a obtenção de um emprego ou, até, a manutenção de relações sociais de normalidade. Para nós, europeus, este direito à informação, na medida em que esmaga absolutamente outros direitos individuais, como o direito à privacidade ou à imagem, é chocante.

Mas igualmente chocante, no extremo oposto, é a forma como, no nosso país, o direito à imagem e à privacidade esmaga o direito à informação nos termos da recente deliberação 681/2014 da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).

Segundo esta deliberação, a Polícia Judiciária terá pedido à CNPD para esta se pronunciar “sobre a divulgação, sob a forma de exposição permanente no Museu da Polícia Judiciária, de retratos inseridos em clichés antigos” – os nossos mug shots históricos...

Tanto quanto sei, o Museu da PJ tem dezenas de milhares de fotografias de cidadãos portugueses, das quais a maioria terá sido tirada há mais de 75 anos. Vale isto por dizer que, na sua grande maioria, as fotografias se reportam a pessoas já falecidas. Pessoas que terão sido fotografadas, no âmbito ou não de processos criminais, sendo que, nos negativos, está inscrito o nome e o sobrenome das pessoas retratadas.

Na decisão sobre a publicitação destas fotografias no museu, seja sob a forma de exposição permanente ou temporária ou, ainda, de arquivo com acesso ao público em geral ou a especialistas, estão em causa diversos valores e direitos, eventualmente, uns mais fundamentais que outros.

O direito à privacidade, o direito à imagem, o direito ao bom nome, o direito à informação, o direito a saber, o interesse e a importância cultural, histórica e científica dos retratados e das imagens e o respeito pela memória dos falecidos serão certamente alguns deles. E é sobre estes direitos e valores que se debruça a referida deliberação da CNPD.

Infelizmente, se conclui, e bem, que as fotografias podem ser expostas no museu se forem eliminados/ocultados os apelidos, conclui também – e mal – que as fotografias só poderão ser expostas se os olhos dos retratados forem eliminados/ocultados.

Em vez de ponderar, em concreto, a forma como os retratos poderiam ser expostos ou acessíveis, as legendas e os enquadramentos, o tempo decorrido desde que foram tiradas as fotografias e o interesse científico e histórico na sua divulgação, fazendo as distinções que entendesse necessárias, mas autorizando, no essencial, o acesso a esse manancial de informação, a CNPD preocupa-se com o facto de os retratados, se estivessem vivos, “provavelmente não gostariam de ver perpetuadas na memória dos seus descendentes e na memória colectiva” essas manchas na sua vida...

A CNPD aponta, assim, o caminho para a criação de um museu de “zombies”. Vá lá, que o Buíça foi fotografado de olhos fechados.

Advogado