Um novo começo
A cada novo disco, Tiago Bettencourt apela a que o oiçam como se fosse a primeira vez. A este desejo acrescentou agora, por escrito: “Quero, como sempre, que as canções resistam ao corroer do tempo, e envelheçam humanas.” E alguém que nunca o tenha ouvido, como imagina que o ouvirá? “Não faço ideia”, diz ao Ípsilon. “O que eu peço com essa frase é o que, no fundo, qualquer artista gostava que acontecesse: não haver referências passadas, para cada disco ser recebido como novidade, sem rótulos nem pecadilhos exagerados.”
Um presente sem passado? Seja como for, com futuro. Nascido em Coimbra, em 1979, o ex-fundador e vocalista dos Toranja gravou a solo cinco discos: O Jardim(2007), Em Fuga (2010), Tiago Na Toca & Os Poetas (2011), Acústico (2012) e, agora, Do Princípio. Um disco marcadamente de canções, denso e coeso, mas fluído entre as malhas rock e as baladas que, apesar dos apelos do autor, trazem naturalmente a sua marca. “A minha ideia não é mudar completamente o meu estilo, como é óbvio. É evoluir, crescer, não só na maneira como escrevo mas também na maneira como componho. O que eu quero é que as pessoas gostem daquilo que eu faço, e que levem este trabalho para as suas vidas.”
Há novidades, no entanto, e isso sobressai das audições. “Houve certas coisas que usei na composição e na produção deste álbum que não usei nos outros e por isso está diferente.” E isso resultou de experiências musicais recentes: “Foi um bocado consequência dos projectos com que trabalhei desde o último disco de originais. Por exemplo, eu não tinha qualquer referência de música electrónica e entretanto trabalhei muito com o Fred [Ferreira], dos Buraka Som Sistema e dos Orelha Negra, que me introduziu nesse mundo. Comprei o meu primeiro sintetizador, percebi o que era uma onda triangular, um LFO e essas coisas todas, comecei a trabalhar com uma MPC, com bits, graças também ao iPad, por isso tive contacto com várias coisas que me fizeram perceber de que maneira é que posso usar algumas armas da música electrónica.”
Fred participa no disco, mas não por via da electrónica. “Chamei-o para tocar bateria em três músicas porque tinha saudades de o ouvir a tocar rock. Numa delas,Morena [que abre o disco], estão ele e o João Lencastre, são duas baterias diferentes.” Fred é um dos três convidados. Os outros são Mário Laginha e o brasileiro Jaques Morelenbaum.
“Quando estávamos a ensaiar Sol de Março, percebi que precisava ali de um piano muito especial. E o primeiro nome de que me lembrei foi logo o do Mário.” Sem saber se ele aceitaria ou não, ligou-lhe e enviou-lhe a música por e-mail. “Ele deu-me um sim todo feliz, o que me deixou com o ego muito em cima, e depois foi uma colaboração muito fácil. Fui a casa dele, fez-me algumas perguntas sobre para que lado é que eu queria ir com a canção e depois fomos para estúdio, onde ele esteve a improvisar e acabou por sair o que está gravado, e que me comove de cada vez que oiço a música.”
Jaques Morelenbaum chegou através do agente de Tiago, que já tinha trabalhado com ele. “Estávamos a ouvir a música Do princípio, só com guitarra e piano, e ele disse-me que merecia uma orquestração. Eu achei que sim, mas que me parecia difícil, e foi então que ele disse que ia ligar ao Morelenbaum. Achei que ele era doido, mas a verdade é que o Jaques disse que sim, enviámos a música para o Rio e ele gravou a orquestração lá.” Nunca chegou a falar com ele. “Vou ter de lhe mandar ummail a agradecer”, graceja.
Canções e gatunos
Desta vez, Tiago assumiu a produção do disco. Porquê? “Para já, porque não há dinheiro. Trabalhar outra vez com o Howard [Bilerman, produtor canadiano, ex-músico dos Arcade Fire] ficava muito caro. Por outro lado, estava na altura de eu experimentar. Com a experiência que tenho acumulado de vários projectos, acho que começo a perceber melhor aquilo que quero. E achei que era um desafio interessante.”
Isto não invalida a necessidade, sentida pelo músico, de um produtor externo. “Gosto muito de ter um produtor porque tem sempre aquela visão exterior, não está demasiado emaranhado na teia do disco. Por isso foi muito difícil para mim manter as distâncias. Mas tive como aliados o João Pedro [Ruela], que também é muito perspicaz, o Artur David, técnico que captou e fez as misturas e que é muito bom, e obviamente os elementos da banda. Por isso seria hipócrita dizer que a produção foi só minha.”
No disco, há várias canções que deixarão marca: Morena, Sol de Março, Do princípio, Maria, Ameaça, Sara ou Aquilo que eu não fiz, uma resposta inequívoca ao mal-estar gerado pela crise: “Lembro-me que essa frase, ‘Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz/ não me fazem ver que a luta é pelo meu país’, surgiu há coisa de ano e meio, pus uma vez no Facebook e depois não pus mais. Quando quiseram lançar esta música como teaser deste disco, fiquei com dúvidas porque acho que já estamos numa fase um bocado ascendente e de saída dessa parte negra. É só olharmos à nossa volta e vermos tanta gente com novos projectos, com novas ideias, a reagir de uma maneira tão bonita a esta crise. No entanto a canção faz sentido e eu não estava à espera da reacção dos meus amigos, sobretudo os que vivem fora, que me mandaram quase todos eles mensagens, comovidos com a música. Não gosto muito que a liguem a política e a partidos, acho que ela fala de… gatunos.”
A produção fotográfica foi também peculiar, usando um método com 150 anos: “Um amigo meu de infância, o Felipe Alves, tem um estúdio chamado Silverbox e há coisa de ano e meio enviou-me uma mensagem a perguntar se eu não queria tirar uma fotografia com esse método. As fotos originais saem em sépia, eu fui lá fazer uma sessão e, tal como ele tinha feito já com uma foto dele, as várias que eu tirei para o disco e para a promoção tiveram colorização digital posterior. O processo traz de volta toda a cerimónia da fotografia analógica, são cinco segundos parados porque se não a foto fica tremida, há a revelação, as provas, etc. E a coloração traz depois um lado contemporâneo.”
Do princípio na música, do princípio na imagem. Num e noutro, uma ponte entre passado e futuro. Como num eterno começo.
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A cada novo disco, Tiago Bettencourt apela a que o oiçam como se fosse a primeira vez. A este desejo acrescentou agora, por escrito: “Quero, como sempre, que as canções resistam ao corroer do tempo, e envelheçam humanas.” E alguém que nunca o tenha ouvido, como imagina que o ouvirá? “Não faço ideia”, diz ao Ípsilon. “O que eu peço com essa frase é o que, no fundo, qualquer artista gostava que acontecesse: não haver referências passadas, para cada disco ser recebido como novidade, sem rótulos nem pecadilhos exagerados.”
Um presente sem passado? Seja como for, com futuro. Nascido em Coimbra, em 1979, o ex-fundador e vocalista dos Toranja gravou a solo cinco discos: O Jardim(2007), Em Fuga (2010), Tiago Na Toca & Os Poetas (2011), Acústico (2012) e, agora, Do Princípio. Um disco marcadamente de canções, denso e coeso, mas fluído entre as malhas rock e as baladas que, apesar dos apelos do autor, trazem naturalmente a sua marca. “A minha ideia não é mudar completamente o meu estilo, como é óbvio. É evoluir, crescer, não só na maneira como escrevo mas também na maneira como componho. O que eu quero é que as pessoas gostem daquilo que eu faço, e que levem este trabalho para as suas vidas.”
Há novidades, no entanto, e isso sobressai das audições. “Houve certas coisas que usei na composição e na produção deste álbum que não usei nos outros e por isso está diferente.” E isso resultou de experiências musicais recentes: “Foi um bocado consequência dos projectos com que trabalhei desde o último disco de originais. Por exemplo, eu não tinha qualquer referência de música electrónica e entretanto trabalhei muito com o Fred [Ferreira], dos Buraka Som Sistema e dos Orelha Negra, que me introduziu nesse mundo. Comprei o meu primeiro sintetizador, percebi o que era uma onda triangular, um LFO e essas coisas todas, comecei a trabalhar com uma MPC, com bits, graças também ao iPad, por isso tive contacto com várias coisas que me fizeram perceber de que maneira é que posso usar algumas armas da música electrónica.”
Fred participa no disco, mas não por via da electrónica. “Chamei-o para tocar bateria em três músicas porque tinha saudades de o ouvir a tocar rock. Numa delas,Morena [que abre o disco], estão ele e o João Lencastre, são duas baterias diferentes.” Fred é um dos três convidados. Os outros são Mário Laginha e o brasileiro Jaques Morelenbaum.
“Quando estávamos a ensaiar Sol de Março, percebi que precisava ali de um piano muito especial. E o primeiro nome de que me lembrei foi logo o do Mário.” Sem saber se ele aceitaria ou não, ligou-lhe e enviou-lhe a música por e-mail. “Ele deu-me um sim todo feliz, o que me deixou com o ego muito em cima, e depois foi uma colaboração muito fácil. Fui a casa dele, fez-me algumas perguntas sobre para que lado é que eu queria ir com a canção e depois fomos para estúdio, onde ele esteve a improvisar e acabou por sair o que está gravado, e que me comove de cada vez que oiço a música.”
Jaques Morelenbaum chegou através do agente de Tiago, que já tinha trabalhado com ele. “Estávamos a ouvir a música Do princípio, só com guitarra e piano, e ele disse-me que merecia uma orquestração. Eu achei que sim, mas que me parecia difícil, e foi então que ele disse que ia ligar ao Morelenbaum. Achei que ele era doido, mas a verdade é que o Jaques disse que sim, enviámos a música para o Rio e ele gravou a orquestração lá.” Nunca chegou a falar com ele. “Vou ter de lhe mandar ummail a agradecer”, graceja.
Canções e gatunos
Desta vez, Tiago assumiu a produção do disco. Porquê? “Para já, porque não há dinheiro. Trabalhar outra vez com o Howard [Bilerman, produtor canadiano, ex-músico dos Arcade Fire] ficava muito caro. Por outro lado, estava na altura de eu experimentar. Com a experiência que tenho acumulado de vários projectos, acho que começo a perceber melhor aquilo que quero. E achei que era um desafio interessante.”
Isto não invalida a necessidade, sentida pelo músico, de um produtor externo. “Gosto muito de ter um produtor porque tem sempre aquela visão exterior, não está demasiado emaranhado na teia do disco. Por isso foi muito difícil para mim manter as distâncias. Mas tive como aliados o João Pedro [Ruela], que também é muito perspicaz, o Artur David, técnico que captou e fez as misturas e que é muito bom, e obviamente os elementos da banda. Por isso seria hipócrita dizer que a produção foi só minha.”
No disco, há várias canções que deixarão marca: Morena, Sol de Março, Do princípio, Maria, Ameaça, Sara ou Aquilo que eu não fiz, uma resposta inequívoca ao mal-estar gerado pela crise: “Lembro-me que essa frase, ‘Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz/ não me fazem ver que a luta é pelo meu país’, surgiu há coisa de ano e meio, pus uma vez no Facebook e depois não pus mais. Quando quiseram lançar esta música como teaser deste disco, fiquei com dúvidas porque acho que já estamos numa fase um bocado ascendente e de saída dessa parte negra. É só olharmos à nossa volta e vermos tanta gente com novos projectos, com novas ideias, a reagir de uma maneira tão bonita a esta crise. No entanto a canção faz sentido e eu não estava à espera da reacção dos meus amigos, sobretudo os que vivem fora, que me mandaram quase todos eles mensagens, comovidos com a música. Não gosto muito que a liguem a política e a partidos, acho que ela fala de… gatunos.”
A produção fotográfica foi também peculiar, usando um método com 150 anos: “Um amigo meu de infância, o Felipe Alves, tem um estúdio chamado Silverbox e há coisa de ano e meio enviou-me uma mensagem a perguntar se eu não queria tirar uma fotografia com esse método. As fotos originais saem em sépia, eu fui lá fazer uma sessão e, tal como ele tinha feito já com uma foto dele, as várias que eu tirei para o disco e para a promoção tiveram colorização digital posterior. O processo traz de volta toda a cerimónia da fotografia analógica, são cinco segundos parados porque se não a foto fica tremida, há a revelação, as provas, etc. E a coloração traz depois um lado contemporâneo.”
Do princípio na música, do princípio na imagem. Num e noutro, uma ponte entre passado e futuro. Como num eterno começo.
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Tiago Bettencourt
Do Princípio
Polydor Universal Music