Consumo elevado de combustível levou Açores a abdicar do Atlântida

Ferry foi considerado projecto megalómano, um “elefante branco” que só poderia ser rentabilizado no lazer turístico e não no trajecto interilhas

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O mesmo especialista manifestou esta terça-feira estranheza aos deputados da comissão parlamentar de inquérito aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) por, no contrato com os estaleiros, o não cumprimento da velocidade fosse condição para a cessação da relação contratual.

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O mesmo especialista manifestou esta terça-feira estranheza aos deputados da comissão parlamentar de inquérito aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) por, no contrato com os estaleiros, o não cumprimento da velocidade fosse condição para a cessação da relação contratual.

“Era queimado gasóleo, não nafta, e o consumo seria de 26 toneladas por dia”. Foram estes os cálculos de Martins Iglésias, engenheiro naval que trabalhou nos ENVC de 1988 até Abril de 2011. O técnico desempenhou diversas responsabilidades nos estaleiros de Viana, de chefe de provas de mar ao teste de equipamentos, e acompanhou a construção do C-258, o nome de código nos ENVC do Atlântida. “Era um navio demasiado grande para os Açores, pelo número de passageiros e viaturas que transportava”, relatou.

“Era um projecto megalómano, o espaço das garagens era de luxo, a zona de máquinas era também muito espaçosa, só poderia transportar a totalidade da sua capacidade em épocas excepcionais”, garantiu. Depois de apelidar o navio de “elefante branco” , não deixou de frisar que o segundo ferry encomendado pela Atlânticoline a Viana, o Anticiclone, “era já mais pequeno”.

Em contrapartida, o Atlântida, ponderou o engenheiro naval, “foi pensado à grande porque havia um pedido de subsídio”. Era uma comparticipação comunitária de 80% do valor do barco, ao abrigo do Programa Operacional dos Açores para a Convergência, 2007/2013. “Queimava só gasóleo, não nafta, o consumo seria de 26 toneladas por dia”, acentuou.

Este facto, aliado à dimensão do barco e ao peso adicional colocado como lastro, levou Martins Iglésias a considerar de duvidosa a sua rentabilidade no tráfego interilhas. Aliás, o engenheiro naval admitiu a utilidade do navio, com algumas adaptações, para operações de lazer turístico no arquipélago açoriano. “Aquela obra de arte, um navio bem esgalhado, podia ser rentabilizado”, assegurou. Manifestou, ainda, surpresa por o não cumprimento da velocidade ter sido, segundo o contrato, razão para o armador não receber o ferry.

Na análise ao projecto, o antigo quadro dos ENVC apontou o prazo de construção como um óbice. O contrato referia 565 dias e este prazo teve consequências. “O prazo condicionou a procura de material que nem sempre estava disponível no mercado”, precisou. Foi o que aconteceu com os propulsores, cuja potência era inferior à contemplada no projecto.

“O projectista (os russos da Petrobalt) ainda estava a trabalhar numa solução e os estaleiros iam mais à frente, fez-se e desfez-se, pôs-se e repôs-se, as coisas não eram pensadas como deviam ser”, assegurou. Esta constatação, garantiu o engenheiro aos deputados, era partilhada pelo primeiro fiscal que a Atlânticoline enviou aos estaleiros para acompanhar a construção.

“O engenheiro Nuno Lima (fiscal do armador açoriano) terá dito para pararem para pensar”, revelou Martins Iglésias. O técnico manifestou, ainda, dúvidas sobre a capacidade técnica do projectista Petrobalt. Mas, do mesmo modo, admitiu que após a saída de técnicos, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo tinham a falta de um gabinete de projecto.

“Estávamos na fase da falta de lápis”, ironizou. Uma situação que não afectou, apenas, a construção das encomendas da Atlânticoline ou de outros armadores, mas que esteve na origem da complicada relação da ENVC com o cliente Marinha portuguesa. “Não estávamos preparados e não nos quisemos preparar”, garantiu.