Governo da Ucrânia faz ultimato para a rendição dos separatistas pró-russos

Presidente recém-eleito promete acabar com a insurreição "em poucos dias". Moscovo apela ao diálogo pacífico com os representantes das regiões.

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As forças rebeldes procuram reorganizar-se para defender a cidade de Donetsk REUTERS/Yannis Behrakis

Ultrapassada – com sucesso – a crucial fase eleitoral, o Governo de Kiev não perdeu tempo para assumir uma posição de força com os rebeldes separatistas. A campanha militar “anti-terrorismo” foi intensificada por ordem do Presidente recém-eleito, Petro Poroshenko, assim que as forças pró-russas decretaram a lei marcial e se posicionaram no aeroporto Sergei Prokofiev: desta vez, o Exército avançou com aviões de combate, helicópteros, paraquedistas e mísseis contra os combatentes rebeldes, que rapidamente se viram subjugados e vencidos.

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Ultrapassada – com sucesso – a crucial fase eleitoral, o Governo de Kiev não perdeu tempo para assumir uma posição de força com os rebeldes separatistas. A campanha militar “anti-terrorismo” foi intensificada por ordem do Presidente recém-eleito, Petro Poroshenko, assim que as forças pró-russas decretaram a lei marcial e se posicionaram no aeroporto Sergei Prokofiev: desta vez, o Exército avançou com aviões de combate, helicópteros, paraquedistas e mísseis contra os combatentes rebeldes, que rapidamente se viram subjugados e vencidos.

O regime declarou vitória no seu “assalto ao aeroporto” ao fim da manhã, depois de uma noite de tiroteios que terá feito mais de 50 mortos no lado dos rebeldes. “O aeroporto está totalmente sob o nosso controlo. O adversário sofreu duras perdas e nós não temos nenhuma vítima”, informou o ministro interino do Interior, Arsen Avakov. Um dos líderes do movimento separatista, Alexander Borodai, apontou para “mais de 50 vítimas” nas suas fileiras; o autarca de Donetsk, Oleksandr Lukianchenko, citado pela Reuters, confirmou 48 mortes, incluindo de civis – nenhuma destas informações pode ser verificada por observadores independentes.

Mas as movimentações em Donetsk não se ficaram pelo aeroporto. A troca de tiros continuou pela cidade, onde, mais uma vez, desapareceu uma equipa de quatro observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. O tom dramático dos relatos da região sugeria um estado de desespero do lado dos rebeldes, que não conseguiam suster o avanço das tropas e já estariam a executar desertores. Um dos habitantes da cidade, que se identificou à Reuters apenas como Gleb, descrevia o caos em Donetsk: “Os separatistas lançaram a confusão na cidade, esperando com certeza que Putin viesse em seu auxílio. Mas dá ideia que estão entregues a si mesmos”.

O Governo ucraniano “emitiu um ultimato de rendição ou morte às forças de auto-defesa da cidade de Donetsk”, escreveu a agência de notícias russa RIA Novosti, depois do porta-voz do Exército de Kiev, Vladislav Seleznev, ter dito em conferência de imprensa que “a operação anti-terrorista vai prosseguir até ao seu fim lógico”. Na capital, o vice primeiro-ministro, Vitali Iarema, garantia que a campanha só acabaria quando “o último terrorista fosse expulso da Ucrânia”. Poroshenko estimou que o objectivo seria alcançado “em poucos dias”.

Resta saber como é que a Rússia vai responder à ofensiva de Kiev sobre os separatistas. Depois de manifestar disponibilidade para o diálogo com o Presidente eleito, o Kremlin reagiu com firmeza à intensificação da operação militar no Leste da Ucrânia, aconselhando Poroshenko a refrear os ímpetos e a aceitar os termos do acordo de cessar-fogo negociado em Abril em Genebra – um compromisso que nenhuma das partes em confronto alguma vez respeitou.

Ao telefone com o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, Vladimir Putin “vincou a necessidade de [Poroshenko] acabar imediatamente com a operação punitiva no Sudeste do país e estabelecer um diálogo pacífico com os representantes das regiões”, informou o Kremlin. Só que desta vez, Moscovo não movimentou tropas para pressionar as autoridades em Kiev – apesar da retórica, Putin reconhecerá a alteração (drástica?) das circunstâncias no terreno. A votação de domingo expôs o seu “bluff” diplomático e político: nem o Governo e o parlamento de Kiev estão sob o domínio de fascistas (os partidos de extrema-direita, Svoboda e Pravy Sektor, foram esmagados nas urnas), nem o país está à beira da desagregação por motivos étnicos ou linguísticos, como argumentava.

Como assinalava o editor de internacional da revista The Economist, Edward Lucas, numa entrevista à Radio Free Europe, “as coisas não correram exactamente como Putin queria [na Ucrânia]. E esta não é a primeira vez que ele se engana”, notou, lembrando que a aposta russa em Ianukovich conduziu à revolta da praça Maidan, que Putin subestimou. “Mas ele continuará a manobrar para transformar a Ucrânia num semi-Estado falhado”, disse. É possível que Putin seja obrigado a uma “retirada táctica” por estes dias, mas isso não o impedirá de jogar os trunfos de que ainda dispõe, nomeadamente a “cartada do gás”, que Lucas pensa será a sua maneira de “provocar o caos”.

“Ainda não chegámos ao fim do jogo”, concordou o analista político russo, Fiodor Lukianov, ao jornal The Washington Post. “A visão de Putin é de uma crise de longo prazo na Ucrânia”, considerou. Para Grigori Golosov, professor de Ciência Política na Universidade Europeia de São Petersburgo, a estratégia de Putin está relacionada com o seu “interesse em impedir, por qualquer meio, de qualquer maneira, que a Ucrânia venha a aderir à União Europeia ou à Nato”.