Nova casa para inimputáveis no Júlio de Matos com ginásio, horta e grades
Em média, estes doentes passam doze anos a cumprir “pena”, denominada “medida de segurança”.
Qualquer semelhança entre o pavilhão amarelado onde viveram nos últimos anos e a nova casa cor-de-rosa, ambos no Hospital Júlio de Matos, é pura coincidência.
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Qualquer semelhança entre o pavilhão amarelado onde viveram nos últimos anos e a nova casa cor-de-rosa, ambos no Hospital Júlio de Matos, é pura coincidência.
As instalações do Serviço Regional de Psiquiatria Forense do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL) destacam-se dos restantes pavilhões. O edifício recuperado tem um campo de basquetebol, ginásio ao ar livre, jardim aromático e uma horta.
Custou três milhões de euros e é gerido pelo Ministério da Saúde, mas é o Ministério da Justiça que encaminha os seus inquilinos, que cumprem medidas de segurança aplicadas pelos tribunais depois de considerem que os crimes que cometeram se deveram a doença mental.
Em média, estes doentes passam doze anos a cumprir “pena”, denominada “medida de segurança”. Os crimes de que são acusados implicariam uma detenção de pelo menos cinco anos. Neste serviço psiquiátrico ficam pelo menos três, são avaliados de dois em dois e permanecem até ao tempo máximo da pena a que corresponde o ilícito, ou mais.
Além do tratamento medicamentoso, os técnicos trabalham para que não exista o risco de repetirem o ilícito e deixem de ser um perigo para si e a sociedade.
Manuel Ricardo Cruz, director do serviço, explicou que a intervenção passa por um trabalho de recuperação em relação ao crime que os doentes cometeram.
Mas é preciso “desenvolver competências que estes doentes não tinham” e ”torná-los novamente cidadãos no desempenho da sua actividade diária e social em pleno equilíbrio”.
À sua espera têm um forte estigma, como reconheceu Manuel Ricardo Cruz: “O termo inimputável pode trazer este juízo de um determinado valor em relação à pessoa”, mas “a inimputabilidade significa que o doente não tinha capacidade interior nem consciência para praticar o acto de que foi acusado e que tinha cometido por estar doente”.
Ao todo são 34 os doentes que vão viver neste serviço com capacidade para 42. Os quartos, a cheirar a novo, já têm nomes na porta e, aos poucos, tem chegado a roupa que os doentes colocam nos armários.
As diferenças entre esta unidade e os outros hospitais são poucas, mas existem: há vigilância e profissionais sempre presentes, quartos com vigilância do exterior, camas pregadas ao chão. Mas é a malha de grades que circunda o complexo que impõe a distinção.
O grande objectivo é devolver estes doentes à sociedade, a qual, na maioria dos casos, já os tinha condenado à exclusão.
“A grande maioria dos doentes que aqui estão é esquizofrénica, chegou com estruturas e raízes de suporte social fragmentados e em alguns casos já em exclusão”, disse à Lusa o coordenador da unidade de internamento deste serviço, Bernardino Rocha.
O que se pretende é que estes doentes “retomem rituais de partilha social. Aqui dentro, sempre em grupo, com o objectivo de progressivamente começarem a partilhar esse tipo de experiências, mas lá fora, em ambiente aberto”, declarou.
Toda a casa foi desenhada nesse pressuposto, da cozinha à lavandaria. Um dos maiores investimentos passou pelo exterior, onde a actividade física será uma novidade.
As grades não impedem contactos visuais. E essa possibilidade não é um acaso. Isabel Paixão, administradora do CHPL, disse à Lusa que pretendem que “quem está lá fora partilhe este espaço com as pessoas que aqui estão, não obstante o espaço ter uma malha de rede, por motivos de segurança”.
A administradora sublinha que a unidade oferece “acima de tudo modernidade” e uma reformulação do ponto de vista logístico que irá permitir uma estrutura muito alinhada com o que é o quotidiano das pessoas: espaço para dormir, tomar banho, arrumar roupa, lazer e refeições.
Álvaro Carvalho, director do Programa Nacional para a Saúde Mental, reconhece que a sociedade não está preparada para reintegrar os inimputáveis, sublinhando que “a doença mental, mesmo a grave, é potencialmente tratada”.
“Há um preconceito muito grande em relação à saúde mental – o estigma – e que é difícil ser alterado, nomeadamente quando estão em causa pessoas com doença mental e que, em consequência dessa doença, cometeram homicídios”, disse.
Em Portugal existem 300 inimputáveis: 120 na cadeia de Santa Cruz do Bispo, no norte, perto de 100 na unidade de Sobral Cid, em Coimbra, e 34 no Júlio de Matos.