Polícias fechavam os olhos em troca de vinho, refeições e dinheiro
Começou o julgamento de três agentes que chantagearam empresários do Norte do país.
Segundo a acusação, fechavam os olhos às ilegalidades com que se deparavam em pedreiras, fábricas de pirotecnia e lojas de armas. Em troca pediam dinheiro, mas também aceitavam pagamento de refeições, caixas de vinho e até calçado. Na casa de um deles foi encontrado um par de botas que correspondia à descrição feita por um dos empresários chantageados, a quem um dos agentes tinha pedido calçado de uma marca específica. Outro havia escolhido na mesma loja um par de ténis, que a Judiciária também encontrou mais tarde na sua posse.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Segundo a acusação, fechavam os olhos às ilegalidades com que se deparavam em pedreiras, fábricas de pirotecnia e lojas de armas. Em troca pediam dinheiro, mas também aceitavam pagamento de refeições, caixas de vinho e até calçado. Na casa de um deles foi encontrado um par de botas que correspondia à descrição feita por um dos empresários chantageados, a quem um dos agentes tinha pedido calçado de uma marca específica. Outro havia escolhido na mesma loja um par de ténis, que a Judiciária também encontrou mais tarde na sua posse.
Os factos remontam ao período entre 2008 e 2012 e à zona Norte do país, tendo os empresários pago aos agentes somas que iam dos 50 euros de cada vez até mais de mil. O Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, que tomou conta do caso, conseguiu seguir o rasto do dinheiro da conta de um dono de uma loja de material de caça e pesca de Chaves até à conta de um dos polícias, que costumava avisar antecipadamente as pedreiras, pirotécnicas e outras empresas que usavam explosivos das acções de fiscalização com mensagens por telemóvel que diziam "inimigo vai andar no terreno".
Também no banco dos réus, a responder por corrupção activa, o proprietário da loja de Chaves negou aos juízes que as transferências bancárias fossem aquilo que pareciam. O dinheiro que entregara ao polícia era para este lhe tratar dos livretes das armas que vendia, uma vez que este se deslocava a Lisboa com alguma frequência, explicou. O problema é que o comerciante só conseguiu arranjar comprovativos de quatro livretes, e depois de mais três, cujo custo perfazia uma quantia muito inferior aos cerca de 800 euros que transferiu para a conta do agente. Também não conseguiu explicar cabalmente as dezenas de chamadas que fez para o telemóvel do polícia, que assegurou não ser seu amigo. “Ia encerrar a loja e queria aconselhar-me com ele sobre o que fazer às armas”, acabou por dizer. Um segundo empresário, que explorava uma pedreira em Marco de Canavezes, cujos empregados foram apanhados a usar explosivos sem que estivessem credenciados para o fazer, negou igualmente ter pago aos agentes para fecharem os olhos ou para ser avisado de acções inspectivas: “Não foi nada comigo”.
O caso terá envolvido ainda vários outros empresários, que começaram por admitir pagamento de subornos mas depois voltaram com a palavra atrás, não tendo os seus processos chegado a julgamento ou por falta de indícios criminais ou por se terem disposto a colaborar com as autoridades. A descoberta de que algo não funcionava como devia no departamento de armas e explosivos da PSP deu-se por uma brigada ter encontrado os três colegas numa pedreira, quando era suposto estarem de férias.
Os polícias, que se encontram em prisão preventiva e incorrem numa pena até oito anos de cadeia, remeteram-se ao silêncio nesta primeira audiência do julgamento, o que lhes valeu uma advertência do juiz que preside ao colectivo, Pedro Lopes: “A rainha das atenuantes continua a ser a confissão. Falar no início do julgamento não é o mesmo que falar no meio ou no fim”.
A gravidade dos crimes e o facto de os seus alegados autores serem agentes da autoridade fez com que o Ministério Público tenha defendido, antes de começar o julgamento, que nenhum deles – com idades entre os 38 e os 46 anos – tem condições para voltar a exercer funções públicas.