O ódio

Estava a jantar com o meu velho e bom amigo Paulo Portas, quando de repente apareceu ao lado da nossa mesa o dr. Sócrates (segundo a universidade de Paris). O dr. Sócrates foi muito entusiástico com Portas: grandes manifestações de prazer por aquele encontro inesperado, mão no ombro e cortesias várias. Obviamente não achava que o outro era o principal responsável pelo “trabalho sujo” que se fazia contra ele. Hoje mudou de opinião e proclamou no Chiado que, afinal de contas, era mesmo Portas o autor moral da imbecilidade e do ódio da campanha. A “imbecilidade” é um insulto inócuo e, às vezes, necessário, que se costuma distribuir pelos mortos. Quanto ao ódio, o caso muda de figura, porque pode levar à violência, física ou outra, e acaba sempre por envenenar a política.

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Estava a jantar com o meu velho e bom amigo Paulo Portas, quando de repente apareceu ao lado da nossa mesa o dr. Sócrates (segundo a universidade de Paris). O dr. Sócrates foi muito entusiástico com Portas: grandes manifestações de prazer por aquele encontro inesperado, mão no ombro e cortesias várias. Obviamente não achava que o outro era o principal responsável pelo “trabalho sujo” que se fazia contra ele. Hoje mudou de opinião e proclamou no Chiado que, afinal de contas, era mesmo Portas o autor moral da imbecilidade e do ódio da campanha. A “imbecilidade” é um insulto inócuo e, às vezes, necessário, que se costuma distribuir pelos mortos. Quanto ao ódio, o caso muda de figura, porque pode levar à violência, física ou outra, e acaba sempre por envenenar a política.

E não há dúvida, pelo menos para mim, que desde 2013 o ódio aumenta na cena pública portuguesa. Mas não se deve reduzir a coisa a uma simples perseguição promovida pela direita ao dr. Sócrates. Ele próprio admitirá que o seu retiro em Paris não o tornou na pessoa mais popular em Portugal. De resto, nem o PS o reconduziu a uma posição honrosa, nem ninguém lhe ofereceu um cargo internacional em que ele pudesse mostrar a beleza da sua alma e recuperar o seu prestígio. O dr. Soares, por razões que excedem, é o único que ainda agora o acarinha e consola. Além disto, e abandonando temporariamente Sócrates, a esquerda, como de costume, injuria e excomunga o primeiro infeliz com a desgraça de não concordar com ela, até em pontos sem pertinência imediata.

Porquê? Porque, se a direita barafusta e ofende, a esquerda quer mais do que isso: quer afirmar, e obrigar a populaça a reconhecer, a sua absoluta superioridade moral, como explicava o saudoso camarada Cunhal. E, se para este nobre fim, precisar de agredir e mentir, de exercer a sua doce hipocrisia ou de inventar uma utopia apetecível ao cidadão comum – a esquerda não hesita. O hate mail que ultimamente recebo, por exemplo, (pelo telemóvel, pela net ou pelo correio) e os telefonemas de rancor e desprezo que de quando em quando me surpreendem lembram o PREC e não têm a mais longínqua proporção com a minha importância. Mas tudo se esclarece, se percebermos que, para o verdadeiro crente, não existe nada pior do que alguém que lhe perturba as certezas de que se alimenta. O ódio cresce.