A nave dos loucos
Acaba por se impor mais um nível de ineficiência e de burocracia a um sistema já tão sobrecarregado com obrigações inúteis.
Peças legislativas que tolhem de forma inaceitável a liberdade de ação das universidades públicas, tais como a Lei dos Compromissos ou as diversas disposições constantes nos sucessivos orçamentos do Estado, embora incoerentes com o princípio da autonomia universitária consagrada na Constituição, podem ser aceites como medidas de emergência, se assumirmos que os benefícios que delas derivam compensam a carga burocrática adicional imposta pelas mesmas. Porém, a existência da crise não justifica a criação de legislação de tal forma mal concebida que bloqueie totalmente o normal funcionamento das instituições sem com isso conseguir qualquer resultado positivo. Importa perceber que a razão última para a crise que o país atravessa é a baixa produtividade da nossa economia, e que a introdução de medidas que afetem negativamente esta produtividade e a competividade internacional será, em última análise, sempre contraproducente.
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Peças legislativas que tolhem de forma inaceitável a liberdade de ação das universidades públicas, tais como a Lei dos Compromissos ou as diversas disposições constantes nos sucessivos orçamentos do Estado, embora incoerentes com o princípio da autonomia universitária consagrada na Constituição, podem ser aceites como medidas de emergência, se assumirmos que os benefícios que delas derivam compensam a carga burocrática adicional imposta pelas mesmas. Porém, a existência da crise não justifica a criação de legislação de tal forma mal concebida que bloqueie totalmente o normal funcionamento das instituições sem com isso conseguir qualquer resultado positivo. Importa perceber que a razão última para a crise que o país atravessa é a baixa produtividade da nossa economia, e que a introdução de medidas que afetem negativamente esta produtividade e a competividade internacional será, em última análise, sempre contraproducente.
Considere-se o exemplo de uma portaria recentemente publicada que impõe a obrigatoriedade de consultar a Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas (anteriormente designada e ainda conhecida por Instituto Nacional de Administração, INA) antes da abertura de qualquer concurso que implique a criação de uma relação jurídica de emprego público. Se a ideia base é, em si, louvável, uma vez que, conceptualmente, permite usar mais eficazmente os recursos do Estado, a sua aplicação cega a todas as posições na administração pública, sem exceção, e a todos os contratos de prestação de serviços é inconcebível, ridícula e inexequível. Considere-se o caso de uma escola de engenharia como o IST que, numa perspectiva de manutenção da competitividade internacional, decida abrir, por exemplo, um concurso internacional para uma posição de Professor Catedrático em Fusão Nuclear (ou em Tecnologia Mecânica ou em Informática Industrial ou em Nanomateriais). Fomos devida e inequivocamente esclarecidos pela entidade competente que, a partir de 26 de Março passado, deve o IST consultar sempre o INA antes de abrir qualquer destes concursos para inquirir se não estará porventura disponível, naquela instituição, um funcionário público com as condições e competências necessárias para exercer o cargo.
Só por si, esta abstrusa situação, caso venha a ser conhecida no estrangeiro, cobrirá o sistema de ensino superior português e os seus responsáveis de ridículo. Mas a referida portaria vai mais longe. Ao equiparar qualquer prestação de serviços a uma relação jurídica de emprego público, obriga as universidades (e as outras instituições públicas) a consultar o INA caso necessitem de adquirir uma passagem aérea ou transporte entre o aeroporto e o centro de uma cidade. Presume-se que o legislador terá imaginado que o INA tem à sua disposição pilotos, aviões e um batalhão de taxistas em todas as cidades do mundo, para além, naturalmente, de técnicos de manutenção de microscópios eletrónicos, e de espectrógrafos de massa (para dar apenas dois exemplos), e de um sem fim de outras especialidades. A implementação e regulamentação do que era originalmente uma ideia positiva é tão desastrada que acaba por impor mais um nível de ineficiência e de burocracia a um sistema já tão sobrecarregado com obrigações inúteis.
Este exemplo é, lamentavelmente, apenas um dos muitos que poderia citar de legislação mal concebida e regulamentada. Para quem tem como missão gerir e manter competitivas instituições de ensino superior, a sensação é que navegamos na nave dos loucos. Tal como na obra de Bosch, entretemos o tempo dos nossos melhores cientistas, professores e profissionais com distrações inconsequentes enquanto no mundo lá fora as nações mais competitivas e produtivas se desenvolvem e prosperam.
Presidente do IST