Violência e liberdade em Paula Rego: uma exposição com 40 anos de histórias

A exposição sobre a intervenção política e social na obra de Paula Rego conta com cerca de cem obras da artista, bem como de Bartolomeu Cid dos Santos, Eduardo Batarda e Victor Willing.

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1961: Ordem e Caos mostra cerca de cem obras, entre pintura, gravura e desenho, que pertencem à Casa das Histórias Paula Rego, mas também à Fundação Calouste Gulbenkian, ao Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, à Fundação de Serralves e a colecções particulares. Na Casa das Histórias parte-se do início da carreira da artista – a obra exposta mais antiga é de 1958 – até aos dias de hoje – a mais recente é de 2000. Um percurso com mais de 40 anos que para as curadoras da exposição, Catarina Alfaro e Leonor de Oliveira, tem sido coerente pela forma como sempre usou liberdade nas formas de pintar e sempre quis apresentar, mais que criticar, a realidade social e política.

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1961: Ordem e Caos mostra cerca de cem obras, entre pintura, gravura e desenho, que pertencem à Casa das Histórias Paula Rego, mas também à Fundação Calouste Gulbenkian, ao Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, à Fundação de Serralves e a colecções particulares. Na Casa das Histórias parte-se do início da carreira da artista – a obra exposta mais antiga é de 1958 – até aos dias de hoje – a mais recente é de 2000. Um percurso com mais de 40 anos que para as curadoras da exposição, Catarina Alfaro e Leonor de Oliveira, tem sido coerente pela forma como sempre usou liberdade nas formas de pintar e sempre quis apresentar, mais que criticar, a realidade social e política.

“1961 é um momento de partida por ser a primeira vez que a Paula expõe em Portugal [exposição da Gulbenkian na Feira das Indústrias de Lisboa] e porque marca o início da guerra colonial”, diz Leonor de Oliveira.

Salvato Telles de Menezes, membro da Comissão Paritária da Casa das Histórias Paula Rego e presidente da Fundação D. Luis I, que gere os espaços culturais de Cascais, disse ao PÚBLICO que esta exposição é completa e “exigente do ponto de vista financeiro”, tendo partido da vontade da pintora de recuperar aquela sua primeira mostra de 1961. “Quisemos ir ao encontro da sua vontade, mas também fazer uma exposição marcante e onde ela estivesse presente”, diz sobre o evento que marca a primeira visita de Paula Rego à Casa das Histórias depois da extinção da Fundação Paula Rego, em 2013.

Estas são obras que foram produzidas “muito rapidamente, através de um processo instintivo”, diz o texto de apresentação de 1961: Ordem e Caos, e que recorrem a experiências pessoais da autora cruzadas com a realidade portuguesa do Estado Novo – obras “muito físicas e emocionais”, em que durante o processo criativo é importante o acto de destruir, cortar e colar, misturar técnicas, diz Catarina Alfaro. “Ela parte sempre de uma história pessoal ou exterior que a toca e a partir daí a obra toma vida própria”, explica.

Para Salvato Telles de Menezes, estão aqui presentes as temáticas mais importantes na obra de Paula Rego: a realidade política e social, com um especial foco na mulher e no seu papel. “Mesmo quando pega em obras literárias, como O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, ou mesmo nos contos populares, há sempre essa dimensão política e social”, diz o investigador da área do cinema e editor.

Na primeira sala da exposição, em que se apresentam as obras do início da carreira da pintora, há a violência no tema e nas técnicas usadas: à entrada está Quando tínhamos uma casa de campo dávamos festas maravilhosas e depois íamos para o mato matar os pretos, de 1961, em que as cores escuras e claras se opõem como se estivessem em guerra, lê-se nos textos que acompanham a exposição. Aqui a pintora “arranhou e golpeou a tela, criando uma imagem que correspondia visualmente à violência da guerra. A ordem e a razão foram destruídas e substituídas pela desordem e confusão”, lê-se nos mesmos textos.

Ao longo da exposição, há os temas chocantes tratados de forma crua, como o aborto, numa série de desenhos em que Paula Rego mostra mulheres sozinhas em sofrimento, mas também a referência directa a acontecimentos, por vezes citando mesmo notícias de jornal, como foi o caso da morte por electrocussão, em 1964, do técnico da EDP que trabalhava suspenso em cabos eléctricos. Paula Rego pintou então Julieta, em que dirige a atenção da obra para a mulher que assistiu a tudo.

O registo político de Paula Rego faz-se também da ironia. Títulos como Salazar a Vomitar a Pátria, de 1960, ou Sempre às Ordens de Vossa Excelência, de 1961, mostram o sarcasmo com que Paula Rego trata a autoridade - “o poder exercido pelo Estado, ou pelos indivíduos, e que se relaciona com a conduta opressiva e controladora”, lê-se num dos textos da exposição. Em 1961: Ordem e Caos, a carga negativa está do lado da ordem - a regra imposta pela violência da ditadura portuguesa, por oposição à liberdade do panorama artístico da época, em que tudo é permitido.

Para além de Paula Rego, 1961: Ordem e Caos mostra ainda trabalhos de Bartolomeu Cid dos Santos e Eduardo Batarda por estes terem as mesmas referências culturais que a pintora e partilharem do seu espírito interventivo aliado a uma linguagem figurativa muito própria, dizem as curadoras. Há ainda obras de Victor Willing na exposição, pintor inglês e marido de Paula Rego, cujo trabalho integra também a colecção da Casa das Histórias Paula Rego.