Argus: a guitarra como caravela que recebe e dá cultura
Inspirado na Odisseia, o novo disco de Luísa Amaro une Portugal e Grécia. Estreia-se nesta quinta-feira no Museu do Oriente.
A aproximação à Grécia fez-se “por mero acaso”, na sequência do CD Meditherranios (de 2009): “Foi uma viagem pelo Oriente e eu não queria um corte, queria uma viagem de continuidade. Quando estala a crise, a mim pareceu-me claro que Portugal e Grécia, estando em cantos opostos, com séculos de cultura, têm vários pontos de união.” Com essa ideia no horizonte, faltava-lhe um elemento essencial. “Para mim seria a voz, ou alguém que trouxesse a cultura grega. E tive a sorte de a encontrar. Numa vez em que fui tocar a Itália, apareceu-me um casal, ele italiano e pianista, ela cipriota e cantora. Pedi-lhe para improvisar voz numa música minha e ela fez aquele lamento grego, muito bonito, só com vocalizos. Gostei muito e vi ali um caminho para o CD. Isto em 2011.”
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A aproximação à Grécia fez-se “por mero acaso”, na sequência do CD Meditherranios (de 2009): “Foi uma viagem pelo Oriente e eu não queria um corte, queria uma viagem de continuidade. Quando estala a crise, a mim pareceu-me claro que Portugal e Grécia, estando em cantos opostos, com séculos de cultura, têm vários pontos de união.” Com essa ideia no horizonte, faltava-lhe um elemento essencial. “Para mim seria a voz, ou alguém que trouxesse a cultura grega. E tive a sorte de a encontrar. Numa vez em que fui tocar a Itália, apareceu-me um casal, ele italiano e pianista, ela cipriota e cantora. Pedi-lhe para improvisar voz numa música minha e ela fez aquele lamento grego, muito bonito, só com vocalizos. Gostei muito e vi ali um caminho para o CD. Isto em 2011.”
Assim foi surgindo Argus, construído a partir da Odisseia de Homero, sem que Luísa Amaro tenha pisado solo grego (é uma viagem pensada, mas ainda não concretizada). Foi reler o texto, que conhecera muitos anos antes a par d’Os Lusíadas, e escolheu o título: “Fui buscar o Argus, não só porque é um nome muito bonito, mas porque me traz o cão de Ulisses, que o reconhece e depois morre. Aliás, foi o único que o reconheceu. E acho que é por esse lado dos sentimentos que nos podemos unir todos, sem demagogias nem nada. Depois do Argus, fui ao Ulisses. Queria recriar um bocadinho deste mundo fantástico… E pensei noutra coisa: a minha guitarra, a forma como que eu a toco, que não é de Lisboa nem de Coimbra, que não é fado, mas sou eu, acaba por funcionar como uma caravela que vai recebendo e vai dando da sua cultura, ligando-se aos povos.”
Em Meditherranios essa ligação fez-se com instrumentos do Afeganistão, do Irão. “E agora, através da voz, a guitarra vai-se ligando à Grécia, a Chipre, a Itália, continuando essa viagem, unindo.” Uma viagem com histórias curiosas, como esta: “Um dos temas, Cardaes, era uma música que eu tocava no final dos concertos para que os músicos pudessem improvisar. Em Itália, perguntaram-me se eu não queria improvisar com os músicos que estavam comigo. Assim fiz e, ao ouvir as vozes, achei que eles tinham intuitivamente arranjado uma forma de cantar aquilo. Depois contaram-me que uma parte da minha música era quase igual a uma música sacro-profana de Puglia, cantada pelas pessoas que levam o andor da Madonna di Picciano. Por isso, na gravação, aparece a meio a Kyriakoula a cantar o tema como é cantado em Itália.”
O disco, com temas que remetem para a Odisseia (Argus, Tirésias, Circe…), fecha com Penélope. “É o lado mais doce e traduz muito aquilo que é a minha guitarra – que pode ter suavidade, lirismo. Depois daquela viagem, voltamos ao nosso universo.”