Suspender a menstruação é tendência entre mulheres jovens

A toma contínua da pílula é opção para mulheres, sobretudo jovens, que não querem menstruar. Especialistas não apontam riscos mas alertam para uma boa utilização deste tipo de contraceptivo hormonal

Foto
“Esta nova geração gosta de não ter hemorragia”, diz a presidente da SPDC Eric Gaillard/Reuters

Tomar a pílula já não é, apenas, sinónimo de embalagens com 21 comprimidos e intervalos de sete dias, muitas vezes prolongados por esquecimento no re-início da toma. A pílula contínua é opção para mulheres que preferem suspender ou diminuir a menstruação, eliminando com isso sintomas da tensão pré-menstrual (TPM) e outros incómodos — uma opção que, segundo especialistas, já é mesmo uma tendência entre mulheres jovens. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Tomar a pílula já não é, apenas, sinónimo de embalagens com 21 comprimidos e intervalos de sete dias, muitas vezes prolongados por esquecimento no re-início da toma. A pílula contínua é opção para mulheres que preferem suspender ou diminuir a menstruação, eliminando com isso sintomas da tensão pré-menstrual (TPM) e outros incómodos — uma opção que, segundo especialistas, já é mesmo uma tendência entre mulheres jovens. 

Nos Estados Unidos já estão disponíveis pílulas que acabam, de facto, com a menstruação ou que fazem com que apareça apenas de três em três meses. Em Portugal este tipo de contraceptivo oral não existe no mercado, pelo que a toma consecutiva de embalagens normais de 21 comprimidos, sem intervalo, é uma das soluções. A outra passa pela escolha de pílulas mais recentes, com 28 comprimidos: 24 com substância e activa e quatro “brancos”, sem qualquer medicamento. Fernanda Águas, presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG), sublinha a diferença: “Tomar a pílula de forma contínua significa tomar comprimidos todos os dias com a forma activa do medicamento, o que é diferente de tomar todos os dias um comprimido.”

No primeiro caso, a mulher “toma o comprimido efectivo todos os dias, sem qualquer período de pausa nem hemorragia de privação”, explica a especialista. “É uma situação que habitualmente utilizamos quando há uma indicação nesse sentido — e há situações, do ponto de vista ginecológico, que aconselham a que se faça esse tipo de toma”, justifica. Já na segunda opção, o que acontece é que o comprimido é tomado todos os dias, para “reduzir falhas e esquecimentos”, responsáveis pela lacuna do método. Diz Fernanda Águas que “tomar um comprimido todos os dias tem sido uma tendência”. Chegou-se à conclusão de que se a pessoa o fizer, a probabilidade de se esquecer é menor. “Porque fazer a pausa leva a que não comece, muitas vezes, no dia certo.”

Foto
As pílulas contínuas têm 28 comprimidos

Este tipo alternativo de toma de pílula é mais popular entre as mulheres mais jovens, garantem Fernanda Águas e Teresa Bombas (presidente da Sociedade Portuguesa da Contracepção, SPDC), menos preocupadas com a suspensão da menstruação. Isto porque, sugere a primeira médica, “para uma percentagem ainda grande das mulheres portuguesas é importante ter menstruação”. “Esta nova geração gosta de não ter hemorragia, é uma vantagem: não menstruam, podem ir à praia à vontade e a prática de actividades físicas é muito mais fácil”, aponta Teresa Bombas, para quem a menstruação “é um acontecimento dos tempos modernos”. “Se recuarmos anos na história da fertilidade, as mulheres tinham muitos filhos e, na maior parte do tempo, não menstruavam: ou estavam grávidas ou a amamentar”, sustenta a médica na Maternidade Daniel Matos, em Coimbra.

Há riscos na toma contínua?

O uso contínuo da pílula, defende a presidente da SPDC, “deve ser preconizado apenas por boas utilizadoras”. Porque para utilizadoras não regulares, que se esquecem frequentemente, “pode dar uma falsa sensação de protecção” e, até, levar a uma gravidez com risco. O mesmo acontece com outros métodos contínuos, como o anel vaginal ou o implante, que também suspendem ou diminuem a hemorragia de privação.

Ilda Ferreira, de 30 anos, tem um destes implantes contraceptivos há cerca de ano e meio, depois de ter tomado uma pílula contínua durante três anos. Para a vigilante aeroportuária que vive em Gondomar, este tipo de métodos contínuos são ideais porque, por um lado, diminuem o esquecimento — mais vulgar quando se trabalha por turnos e “os horários ficam trocados” — e, por outro, são benéficos para mulheres com ciclos irregulares.

A pílula comum incentiva os esquecimentos, diz a presidente da SPDC

Entre estes dois métodos, Ilda teve uma filha — “e não houve qualquer problema em voltar a engravidar”, garante ao P3. Informada pelo médico da existência destas pílulas, Ilda conseguiu, finalmente, regularizar os ciclos menstruais e diminuir os efeitos da TPM. Hoje, com o implante (que tem a duração de três anos e pode ser retirado quando quiser), sente-se “lindamente”. “Estou sempre relativamente à vontade e não tenho qualquer preocupação por não menstruar.”

“As mulheres começaram a fazer a pílula contínua porque nós descomplicámos e desmistificámos os riscos”, conta Teresa Bombas. “Percebemos muitas coisas ligadas à contracepção quando começámos a fazer consultas de interrupção voluntária de gravidez: a questão da gravidez não planeada não tem a ver necessariamente com o não uso de contracepção, mas com uma má adesão à mesma”, reflecte a ginecologista.

Quem pode usar a pílula contínua? Teresa Bombas responde

Não é o caso de Mariana Magalhães, que há cerca de seis anos toma contraceptivos orais na tentativa de melhorar uma “anemia crónica”. Ao fim de experimentar várias marcas, a jovem de 20 anos estabilizou numa pílula de 28 comprimidos. Não nota qualquer diferença face às anteriores, em termos de sintomas, mas conseguiu, finalmente, controlar a anemia — um dos exemplos que sustenta a opinião de Fernanda Águas, ginecologista na Maternidade Bissaya Barreto, também em Coimbra.

É um medicamento relativamente mais caro, sim (cada embalagem custa 12 euros), e a menstruação de Mariana não foi suspensa. A jovem formada em Ciências de Comunicação já chegou a encadear pílulas de 21 pastilhas “quando estava de férias, na praia”, depois de se certificar com o ginecologista de que tal atitude não traria riscos. De resto, explica Mariana, tendência é, também, alterar o dia de início da toma — “pelo menos no que toca às minhas amigas e conhecidas”, sublinha.

Apesar de não existirem riscos comprovados neste tipo de toma, Fernanda Águas reitera: “Não sou eu que vou recomendar à pessoa a toma contínua, a não ser que haja uma indicação médica para tal.” Isto porque, continua, a toma contínua pode levar ao “atrofiamento da parte de dentro do útero, o endométrio, e a consequentes spottings”, pequenas perdas que podem ser regulares. “Também temos de pensar que durante o período de pausa a pessoa não faz a ingestão de uma hormona exógena. Há quem defenda que esse período livre pode ser vantajoso do ponto de vista de efeitos adversos, mas nada disso tem sido comprovado por trabalhos científicos”, conclui.