Vítimas de violência doméstica demoram, em média, 13 anos a terminar relação

Autor de estudo sobre vítimas de violência conjugal na região de Lisboa e Vale do Tejo diz que o que está a ser feito em matéria de apoio "é pouco".

Foto
A mulher agredida tanto é vítima como cúmplice, defende o autor do estudo Jorge Silva/Arquivo

O estudo, da autoria do psicólogo forense Mauro Paulino, surge no âmbito de uma tese de mestrado pela Universidade Nova de Lisboa e foi realizado com base em 76 entrevistas e análise de 458 processos da delegação de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O estudo, da autoria do psicólogo forense Mauro Paulino, surge no âmbito de uma tese de mestrado pela Universidade Nova de Lisboa e foi realizado com base em 76 entrevistas e análise de 458 processos da delegação de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal.

Esta investigação incide apenas sobre mulheres vítimas de violência conjugal na região de Lisboa e Vale do Tejo.
O autor do estudo destaca "o longo tempo" que as vítimas demoram até tomarem a decisão de terminar a relação.
"Em média, as vítimas demoram 13 anos até conseguirem terminar uma relação agressiva em que tenham estado", diz Mauro Paulino. A mulher agredida tanto é vítima como cúmplice, defende. "Temos de responsabilizar uma mulher que fica 13 anos numa relação violenta", diz, clarificando que isso não significa que a mulher seja de alguma forma culpada.

Para o psicólogo, esta constatação obriga a uma mudança de paradigma na forma de intervir. Para além do apoio social , é necessária uma intervenção mais profunda, a nível psicológico. "A investigação mostra-nos que todos temos determinados padrões de relacionamento que, se não forem alterados, faz com que esta vítima saia de uma relação e muito provavelmente vá procurar um outro companheiro com as mesmas características", explica.
Essa intervenção passa por explicar à vítima que "o entendimento que ela tem de si e da situação potencia a relação violenta e potencia que volte a entrar numa relação violenta".

Com base nos dados do estudo, Mauro Paulino concluiu que o que está a ser feito em matéria de intervenção "é pouco" e defende mais acção ao nível da prevenção.
"Está comprovado que as vítimas vão mais vezes aos hospitais, estão mais tempo de baixa, são pessoas que produzem menos e isto tem também uma vertente económica".
No entender do investigador, há também um completo desfasamento entre os horários de funcionamento dos gabinetes e linhas de apoio, apontando que muitos funcionam das "nove à uma e das duas às cinco", quando a maior parte das agressões acontecem ao fim-de-semana e à noite, principalmente entre as 19h e a meia-noite.

O factor religião
Por outro lado, o investigador nota que as crenças religiosas são uma forte influência na forma como as vítimas percepcionam e vivem a relação.

Quantas mais forem as crenças, maior é o tempo que uma mulher está na relação, quando estão em causa crenças que "facilitam" e "banalizam" a violência, dando como exemplo o caso das católicas. "As mulheres católicas banalizam mais a violência do que as restantes, aceitando o seu papel na relação agressora, atribuindo a culpa dessa violência a elas próprias", aponta.

A importância da crença diminui tanto mais quanto maior for o nível de escolaridade. "A escolaridade influencia no sentido de haver menos tolerância a qualquer tipo de violência, não se aceitando algumas desculpas que as vítimas com menos escolaridade tendem a aceitar", explica Mauro Paulino.

Na maior parte dos casos analisados, a violência começou no namoro e o casamento não revelou ser factor de mudança, muito pelo contrário, já que "as agressões continuaram a acontecer e tenderam a agravar".

Sobre o grau de sofrimento provocado pelas agressões, apontou que são as psicológicas aquelas a que "as vítimas atribuem um maior nível de sofrimento". Esta constatação deita por terra a "crença de que só aquilo que deixa marca é que é uma lesão ou uma agressão grave".

O investigador chegou também à conclusão de que as vítimas demoram muito tempo a pedir ajuda e que, num número significativo de casos, pedem ajuda à família, mas esta nem sempre apoia.

Em relação às 76 mulheres entrevistadas, a maioria (85%) era de nacionalidade portuguesa, com estudos ao nível do 3.º ciclo (35,5%), casadas ou em união de facto (40,8%), desempregadas (32,9%), com idades entre os 35 e os 39 anos (17,1%). Mostraram dificuldade em tomar decisões sozinhas (57,9%), em iniciar projetos ou fazer coisas por sua conta e quase metade (48,7%) revelou não saber lidar com o facto de estar sozinha.

Em 93,4% dos casos foram agredidas repetidamente, entre agressões físicas (80,26%), agressões psicológicas (89,47%) e agressões sexuais (32,89%). Trinta e quatro mulheres foram mesmo agredidas fisicamente durante a gravidez e cinco acabaram por perder o bebé.