Cadeias devem mais de 13 milhões ao Serviço Nacional de Saúde
Dívida entre 2010 e 2012 não é reconhecida. Ministério da Justiça (MJ) diz que os encargos são do Ministério da Saúde já que os reclusos inimputáveis internados são utentes. MJ quer tirar empresas de saúde para colocar meios do SNS nas cadeias, mas não há ainda entendimento.
Em causa, estão os serviços prestados com o internamento de arguidos considerados “inimputáveis internados em unidades de saúde mental não prisionais”, revela a recente auditoria preliminar que a Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça fez aos serviços prisionais, tendo detectado várias irregularidades.
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Em causa, estão os serviços prestados com o internamento de arguidos considerados “inimputáveis internados em unidades de saúde mental não prisionais”, revela a recente auditoria preliminar que a Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça fez aos serviços prisionais, tendo detectado várias irregularidades.
A dívida, referente a facturas de 2010 a 2012, mantém-se porque a antiga Direcção dos Serviços Prisionais – extinta em 2013 e depois substituída pela DGRSP – não a reconheceu, como destaca o relatório ao qual o PÚBLICO teve acesso.
Nem o Ministério da Saúde (MS) nem o MJ se entendem sobre quem, de facto, deve pagar a dívida e sobre se os cuidados de saúde devem continuar entregues a privados ou passem para o SNS.
"O Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais e o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade [que entrou em vigor em 2010]” estabelece que “é garantido ao recluso o acesso a cuidados de saúde em condições de qualidade e continuidade idênticas às que são asseguradas a todos os cidadãos”, e que “o recluso é, para todos os efeitos, utente do Serviço Nacional de Saúde”, respondeu o MJ. O MJ entende, assim, que “a responsabilidade pelos inimputáveis internados no SNS, ou em entidades com este convencionadas, está cometida ao SNS”.
Já o MS confirmou a dívida da ex-DGSP e explicou que esta se refere a serviços prestados nomeadamente pelo Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa e pelo Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.
Desde 2011, que se sucedem diversas reuniões entre os dois ministérios. O MJ confirmou ao PÚBLICO estas negociações com “vista a transferir para o SNS, na sua plenitude, a prestação de cuidados de saúde em meio prisional”. Já o MS não quis confirmar.
As negociações surgem descritas na auditoria e “não têm resultado em acções concretas”. A DGRSP pretende que os serviços de saúde, fornecidos por privados, passem a ser prestados pelo SNS. Aliás, a auditoria classifica tal como uma “necessidade”.
O relatório garante, aliás, que “desde 2003 que têm sido criados grupos de trabalho entre o MJ e o MS no sentido de estudar o quadro normativo e funcional subjacente à prestação de cuidados de saúde”.
Em 2012, o ex-secretário de Estado da Administração Pública Hélder Rosalino deu parecer favorável para o máximo de 4,2 milhões de euros por ano, pagos a privados, com gastos das cadeias na saúde.
Nesse ano, um dos concursos públicos foi devolvido para reformulação para que fosse prevista “uma única renovação” na “expectativa de que, em 2014, os cuidados de saúde à população reclusa já tenham migrado para o SNS”.
Neste ponto, a demora nos concursos obrigou a DGRSP a recorrer a ajustes directos e em algumas situações levou à paralisação de serviços. Em Outubro de 2012, os auxiliares de acção médica no Hospital Prisional São João de Deus deixaram de trabalhar porque a empresa que os contratou não pagou os salários.
É precisamente devido à formalização de ajustes directos, alguns deles para serviços de saúde, que a auditoria aponta responsabilidades financeiras, entre outros dirigentes da DGRSP, ao ex-secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos do MJ Fernando Santo. É que os ajustes foram efectuados para serviços já prestados.
Fernando Santo considerou esta quinta-feira "grave" a "tentativa de colagem" do seu nome às irregularidades detectadas. À agência Lusa, denunciou tal como "uma forma de branquear" a situação, desviando a atenção dos "responsáveis pelos procedimentos e que não os cumpriram".