A CNE e o Facebook
Alguém retire a CNE do âmbar, se faz favor.
Mas muito mais giro é analisar a relação da CNE com o Facebook – uma velha história de amor que teve há pouco novos desenvolvimentos, graças a uma notável deliberação que passou injustamente despercebida.
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Mas muito mais giro é analisar a relação da CNE com o Facebook – uma velha história de amor que teve há pouco novos desenvolvimentos, graças a uma notável deliberação que passou injustamente despercebida.
Não é de hoje o arrufo da CNE com o Facebook. Nas últimas autárquicas, face à óbvia impossibilidade de cumprir os ditames da CNE acerca da igualdade de tratamento das candidaturas, as televisões viraram costas às campanhas – e as campanhas foram obrigadas a virar-se para o Facebook. As primeiras queixas, sobre posts pagos em troca de visibilidade na rede, não tardaram. A CNE entendeu que tal configurava um caso de publicidade comercial, e instaurou um processo ao Facebook. Claro que ninguém sabe como se poderá ir ao bolso do senhor Zuckerberg, tendo em conta que a empresa não tem escritórios em Portugal. Mas, como já se viu com a história da igualdade das candidaturas, a CNE preocupa-se pouco com a exequibilidade das suas propostas. O importante é que a lei se cumpra. Que a lei seja depois impossível de cumprir, bom, isso é um detalhe que não deve ser demasiado valorizado.
E é com esta filosofia na cabeça que, passado um ano, e chegados a novo período eleitoral, a CNE voltou a lembrar-se do Facebook. Desta vez, decidiu ser pró-activa e elaborar um pouco sobre a arquitectura das redes sociais, sobretudo devido à projectada rebaldaria durante o chamado “dia de reflexão”. E eis que a 9 de Abril aprovou uma deliberação que aconselho todos – menos Miguel Sousa Tavares, que odeia o Facebook, como se sabe – a lerem. E porquê? Porque é puro pensamento institucional lusitano: uma maravilhosa mistura de voluntarismo e completo alheamento sobre o que são as redes sociais em 2014 e a absoluta impossibilidade de as controlar.
Diz a deliberação, na sua parte filet mignon, que a CNE considera ilícita a propaganda praticada em período de reflexão nos seguintes locais do Facebook: “Páginas; Grupos abertos; Cronologias pessoais com privacidade definida que extravase a rede de ‘amigos’ e ‘amigos dos amigos’, i.e., nos seguintes casos: a) Quando se permite que qualquer pessoa, incluindo as que não estão registadas no Facebook, possa ver ou aceder à informação disponibilizada pelo utilizador (acesso público universal); b) Quando se permite que todas as pessoas registadas no Facebook podem ver ou aceder à informação disponibilizada pelo utilizador (acesso público dentro da rede social).” Portanto, caro leitor, cuidadinho com o que posta nos dias 24 e 25. Os amigos saberem em quem vai votar, ou os amigos dos amigos, ainda vá. Agora, se a coisa chega ao amigo do amigo do amigo, você está tramadíssimo.
Giro, hein? Em vez de propor que se acabe de vez com essa idiotice monumental chamada “dia de reflexão”, que nos trata a todos como palonços, a CNE prefere mais uma vez tapar com rolhas de cortiça o rombo no Titanic. Controlar o Facebook? A CNE vai fazer o quê? Investigar perfis falsos? Perseguir todos os mexicanos e turcos que eram amigos de João Cordeiro em 2013? Mandar prender qualquer indígena que, no dia 25, escreva “viva o Rangel!” num mural aberto? Por amor de Deus. Alguém retire a CNE do âmbar, se faz favor.
Jornalista, jmtavares@outlook.com