Assis e Rangel de acordo: não há consequências automáticas do resultado das europeias
Cabeças de lista do PS e da Aliança Portugal consentem que haverá leituras políticas das próximas eleições, mas divergem nas ilações a tirar. No debate na ETV, mantiveram acesa a troca de acusações entre um PS despesista e uma direita que diaboliza todo o investimento público. PCP e BE também discordaram entre si.
Mas no final de hora e meia, as contas baralharam-se e os dois maiores adversários esboçaram um acordo: o resultado das eleições europeias não vai precipitar uma consequência política automática. Ninguém espera que, por pior que seja o resultado para a coligação, o Governo se demita na noite eleitoral - uma garantia já dada pelo próprio primeiro-ministro. E se todos estão de acordo que terão de ser feitas leituras políticas, as ilações a tirar são divergentes.
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Mas no final de hora e meia, as contas baralharam-se e os dois maiores adversários esboçaram um acordo: o resultado das eleições europeias não vai precipitar uma consequência política automática. Ninguém espera que, por pior que seja o resultado para a coligação, o Governo se demita na noite eleitoral - uma garantia já dada pelo próprio primeiro-ministro. E se todos estão de acordo que terão de ser feitas leituras políticas, as ilações a tirar são divergentes.
Foi na terceira parte do debate que Assis e Rangel, por fim, concordaram. Em relação à abstenção, com o “desencanto” das pessoas com a política e com outra coisa importante. Não deve haver “consequências automáticas” do resultado destas eleições. “Leituras políticas”, sim.
“Acho que não devem ter consequências nacionais. Nem faz sentido que tenham. Outra questão diferente são leituras políticas. Leituras políticas haverá sempre”, disse o candidato da coligação. Assis, depois, mas com nuances: “É evidente que, seja qual for o resultado eleitoral, ele vai ser lido. E consoante a natureza do resultado, terá esta ou aquela consequência. Não há consequências automáticas nos resultados eleitorais. Haverá depois um processo de interpretação."
No debate, Assis, mais cauteloso, não concretizou que passos podem ser dados depois. Muito menos referiu uma hipotética ida a Belém. Mas o cabeça de lista socialista já havia sido claro, em declarações ao PÚBLICO há uma semana. “No dia seguinte a uma vitória clara do PS e a uma rejeição clara do Governo, nesse caso haverá ponderações a fazer, nomeadamente pelo Presidente da República.”
A discussão começou crispada entre os dois portistas a propósito da mutualização da dívida. Assis, o único dos quatro cabeças de lista que ainda não está no Parlamento Europeu (PE), defendeu a medida, Rangel contrapôs que este não é o momento e que até Martin Schulz, o candidato socialista à presidência da Comissão Europeia, o reconhece. Mas o PS insiste em “vender ilusões”.
Pelo contrário, Marisa Matias e João Ferreira coincidiram quanto ao tema. A mutualização não resolve o problema da dívida pública, é preciso reestruturá-la. Uma dívida que “não é nem sustentável nem pagável”, disse a candidata do Bloco logo no arranque. O comunista foi então o primeiro a desviar o confronto para o que definiu como “a questão fundamental, os desequilíbrios do processo de integração [na UE] que foram geradores de desigualdades”. E essas medidas, iniciou a investida, foram sempre “caucionadas pelo PS e pelo PSD”.
"Obsessão patológica" com Sócrates
Estava dada a deixa para Rangel revisitar o património socrático e culpá-lo pelos “sacrifícios” dos três anos de troika. “Houve políticas erradas, nomeadamente de José Sócrates que levaram o país à bancarrota”.
“Acredita mesmo na barbaridade que está a dizer?”, inquiriu Assis. Mas Rangel estava interessado – esteve sempre – em recuar até 2011. Com argumentos que atravessaram a hora e meia de discussão e que tem repetido, aliás, durante esta primeira semana de campanha. Pode resumir-se assim: o PS deixou o país na bancarrota em 2011, os portugueses fizeram um esforço muito grande durante três anos de ajustamento financeiro e agora não se pode entregar o país, de novo, ao despesismo dos socialistas.
Assis irritou-se. Mais do que uma vez, acusando até o social-democrata de ter uma “obsessão patológica com a figura de José Sócrates”. Rangel ripostou com a “ruína” das PPP, TGV, aeroporto. Assis contrariou-o, várias vezes, com atestados de uma direita “fatalista” e “acrítica”, que só sabe “diabolizar o investimento público”. E ironizou: “Qual aeroporto? O do Porto? Não conheço outro.”
Até que Marisa Matias interveio para dizer que é preciso “acertar os relógios da coligação”, agora que já estamos em 2014 e não em 2011. E o país, disse, está pior. Logo depois, o debate chegaria a um momento mais interessante com Assis a reconhecer que “há um problema com a adesão ao euro”, mas que o pior que podia acontecer ao país seria a saída da moeda única.
Do lado oposto, João Ferreira, defendeu que o país deve preparar-se para uma saída “suave e ordeira”. Com uma frase que deixou, implicitamente, a porta aberta a um referendo: “Nós não defendemos uma saída pura e simples (…) Terá que decorrer de uma vontade expressa”.
“Nenhuma saída é fácil”, disse do lado oposto da sala Marisa, munida da certeza, porém, que “não é aceitável que se peçam mais sacrifícios aos portugueses em nome do euro”. E que se o BE tiver de optar entre a permanência no euro e o Estado Social, o crescimento e o emprego, não hesitará em escolher a segunda opção.
Depois do primeiro intervalo, o ambiente ficou menos tenso entre Assis e Rangel. Os dois de acordo com o Tratado Orçamental (TO), embora com o socialista a sublinhar que, “em termos de tratados nunca ninguém está inteiramente satisfeito”. BE e PCP coincidiram que o TO impossibilita o desenvolvimento do país, além de não ser democrático.
Rangel iria então às promessas, acenando com um 2015 que traz “reposição substantiva de pensões” e “20% de reposição do poder de compra dos funcionários públicos”. Esse “rumo de crescimento”, depois dos “cofres vazios ou cheios de dívidas deixadas pelo PS”, não pode ser desperdiçado.
Marisa levantou a voz uma única vez e foi aqui: “O aumento do poder de compra só se fez com decisões do Tribunal Constitucional. E nem aí”. João Ferreira aproveitou para atrapalhar o social-democrata: “Paulo Rangel fazia umas contas interessantes de que por cada criança que nascia, já vinha com um peso de dívida às costas (…) Deixou de fazer essas contas”.
E o Estado Social? “Estamos a manter o essencial”, respondeu o social-democrata. “O que este Governo está a fazer é uma ruptura com um consenso político e social que existiu nos últimos 35 anos pelo Estado Social”, contradisse Assis, que introduziu várias vezes a nota de que há “outra direita”. Diferente da que governa.
Quem discordou já na recta final foram o candidato da CDU e a do BE. Os últimos minutos foram marcados por um duelo de palavras tenso, com Marisa Matias a dizer que os “os combates não se fazem só à escala nacional” e que, por isso, o partido apoia Alex Tsipras como candidato à Comissão Europeia. E com João Ferreira a dizer que há aí “um contra-senso” do BE, justificando que o PCP não apoia ninguém porque esta eleição é para escolher 21 eurodeputados ao PE. Ponto final.