As Obras do Fidalgo: um palácio inacabado

O inacabado deixa especular, é um intervalo na obra, tal como um intervalo de um filme, embora, ao contrário deste, possa tornar-se num intervalo definitivo

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Cliché da Photª GUEDES

Muitas são as obras que permanecem inacabadas; no alongar da história, pautas, estátuas, pinturas, textos e construções são deixados incompletos, como que estagnados no tempo por séculos ou doados à eternidade. São exemplo as Obras do Fidalgo e os Quatro Escravos de Miguel Ângelo.

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Muitas são as obras que permanecem inacabadas; no alongar da história, pautas, estátuas, pinturas, textos e construções são deixados incompletos, como que estagnados no tempo por séculos ou doados à eternidade. São exemplo as Obras do Fidalgo e os Quatro Escravos de Miguel Ângelo.

As Obras do Fidalgo, localizadas na região entre o Douro Litoral e Minho, referem-se a uma fachada barroca tornada icónica pelo seu estado incompleto e pela dimensão incomum na região e no país. É uma obra cuja fase de construção se insere num período temporal entre o ano de 1740 e 1760.

Os palácios não tocam no céu, tal como os pássaros não voam demasiado alto para não se afastarem das sementes da terra, nem voam demasiado baixo para não serem apanhados pelos seus predadores. Serão as Obras do Fidalgo um empreendimento de maior esforço do que aquele que o seu empreendedor realmente consegue?

A fachada indica-nos o objectivo, nunca cumprido, de erigir um solar grandioso. Se tal desejo se concretizasse as Obras do Fidalgo seriam o maior edifício civil de estilo barroco da península. As dimensões atestam a ideia de grandeza desejada pelo fidalgo António de Vasconcelos Carvalho e Meneses.

São muitos os dizeres para justificarem o estado inacabado, como o são em igual número as pedras que ainda lhe faltam. Em contraste, poucos são os estudos que vêm a público colmatar falhas históricas e acrescentar luz a este mistério, e ainda nenhum poeta ou qualquer outro escritor vivo ou morto se inspirou nesta obra para lhe aumentar ou retirar fantasia.

— É um palácio! Atira um indivíduo que passa, perante os olhos dos curiosos que vagueiam na pele de uma paisagem verdejante. Aqui e acolá as oliveiras surgem na frontaria e ao passar da fachada os tectos de ramagens, as colunas de troncos de carvalho e a orquestra sibilina dos pássaros substituem um interior que nunca existiu.

A fachada é composta por dois pisos, a sua altimetria de dimensões consideráveis é suavizada pela composição alongada perceptível em planta. Constituída por pilastras de desenho “rocaille” desenhadas por motivos familiares a esta época, o exemplo das vieiras, que marcam a passagem estilística do barroco para o rococó.

O portal é encimado pelo brasão fazendo-se destacar na fachada, e duas portas secundárias rematam os extremos. Os “jogos” vegetalistas imperam, tal como a curva e contracurva se faz salientar, num jogo cenográfico intenso e excessivo.

Os Quatros Escravos de Miguel Ângelo destinados a servirem o túmulo do Papa Júlio II, são também exemplo de obras inacabadas. Torsos tentam libertar-se da pedra, num perpétuo desafio entre a liberdade na ponta do cinzel e o eterno aprisionamento. Miguel Ângelo na sua longa vida de 88 anos finalizou apenas 12 esculturas. Eugène Delàcroix, no livro “Michelangelo-Pintor, Escultor e Arquitecto”, justifica o número reduzido pelo negligenciar “de certas precauções mecânicas cujo esquecimento o levava a encontrar dificuldades insuperáveis”. Contudo, mesmo o estado inacabado não lhes retira o deslumbramento, ao qual, Delàcroix afirma preferir as obras inacabadas às completas.

O inacabado deixa especular, é um intervalo na obra, tal como um intervalo de um filme, embora, ao contrário deste, possa tornar-se num intervalo definitivo.

Este podia ser porventura o início de uma história de um palácio e de quatro escravos, uma história de um palácio que nunca o foi e de quatro escravos que nunca o serão.