“Castigos corporais não são permitidos em caso algum”, diz magistrada
MP pode iniciar processos "quando o direito de queixa não puder ser exercido", diz procuradora. Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que castigaram filho com um cinto.
“Os castigos corporais não são permitidos em caso algum” e podem constituir uma forma de mau trato e configurar “situações de perigo, que legitimem a intervenção do sistema de protecção de crianças previsto na Lei de Promoção de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”, afirmou a magistrada numa entrevista por email.
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“Os castigos corporais não são permitidos em caso algum” e podem constituir uma forma de mau trato e configurar “situações de perigo, que legitimem a intervenção do sistema de protecção de crianças previsto na Lei de Promoção de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”, afirmou a magistrada numa entrevista por email.
Além disso, esclareceu a procuradora, o Código Penal atribui ao Ministério Público legitimidade para dar início ao procedimento criminal, mesmo quando este depender de uma queixa. Ora, foi o facto de não existir uma queixa, neste caso do rapaz de 11 anos espancado pelos pais, que levou o Tribunal da Relação a determinar que o MP não tinha “legitimidade” para deduzir acusação, como se lê no acórdão de 2 de Abril, publicado no final desse mês.
Os pais começaram por ser condenados, em primeira instância, por ofensa à integridade física qualificada e depois absolvidos pelo Tribunal da Relação do Porto. Os juízes consideraram ser este um crime de ofensa na forma simples e não agravada e decidiram a absolvição com base numa questão processual – sendo a ofensa na forma simples um crime de natureza semi-pública, só poderia ter sido deduzida acusação pelo MP se tivesse havido queixa.
No entender de Helena Gonçalves, porém, e de uma forma geral, a legitimidade é atribuída ao MP para iniciar um processo “desde que o interesse do ofendido (vítima) o aconselhe” ou quando “o direito de queixa não puder ser exercido”; e também em situações em que quem detiver esse direito “for o agente do crime” e quando a vítima for menor ou não entender o significado do exercício do direito da queixa. E essa seria a situação do rapaz de 11 anos.
Cigarros e maus resultados
Tudo começou na noite de 19 de Março de 2012, quando os pais perceberam que o filho andava a encobrir os maus resultados escolares e estaria a fumar. Na casa onde vivem, depois de uma zanga e perante a impertinência do filho, a mãe bateu-lhe com o cinto. Apesar da repreensão, que "não acatou", segundo o acórdão, o rapaz de 11 anos continuou a sorrir. O pai interferiu, atingindo também o filho com um cinto.
Nos dez dias seguintes, o rapaz ficou de cama com “equimoses de coloração arroxeada” nas nádegas e pernas, algumas “dolorosas à palpação". O acórdão não esclarece se este foi um acto isolado, embora diga que não existam provas de "reiteração" deste comportamento por parte dos pais.
No julgamento, em primeira instância, mãe e pai foram condenados, ainda em 2012, por considerar o tribunal que o uso do cinto numa criança "indefesa" de 11 anos, não se enquadrava, "pela sua desproporcionalidade, no âmbito de um poder/dever de educação/correcção” dos pais. Estes vieram depois, e durante o recurso, a justificar “o meio utilizado e a agressão” como forma de “corrigir o comportamento escolar” do filho, para que este pudesse “vir a ter, no futuro, uma vida melhor e mais responsável”, a que os juízes desembargadores foram sensíveis.
No recurso no Tribunal da Relação do Porto, que os absolveu no mês passado, a defesa tentou provar que o comportamento dos pais não configurava um crime de ofensa à integridade física de forma qualificada, um crime público, mas um crime de ofensa à integridade física de forma simples, de natureza semi-pública, para a qual teria sido necessária uma queixa.