As aventuras da Europa
Ainda que com incertezas e contradições, a Europa dos Estados está dar lugar à Europa da União.
O historiador francês recentemente falecido Jacques Le Goff chamou à Europa uma “bela aventura”. De facto, a Europa tem sido um lugar de surpresas como só há nas aventuras mais empolgantes. Foi aqui o palco da Antiguidade de Grécia e Roma, onde nasceram a Filosofia e o Direito, foi aqui que o Cristianismo cresceu de um modo irreversível ao longo da Idade Média, foi aqui que se deu o movimento humanístico e artístico que ficou conhecido como Renascimento, foi aqui que ocorreu essa mudança extraordinária da percepção do mundo que foi a Revolução Científica, criadora da Ciência moderna, foi aqui que brilhou com intensidade o Iluminismo logo seguido pela reacção romântica, e foi aqui que eclodiu a Revolução Industrial, que acabou por alterar a economia de todo o planeta. Foi ainda aqui, a 9 de Maio de 1950, hoje “Dia da Europa”, que o luxemburguês Robert Schuman, querendo levantar a Europa das ruínas da Segunda Guerra Mundial, propôs a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, antecessora da actual União Europeia. As suas palavras parecem-nos hoje proféticas: “A Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo com um plano único. Far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.”
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O historiador francês recentemente falecido Jacques Le Goff chamou à Europa uma “bela aventura”. De facto, a Europa tem sido um lugar de surpresas como só há nas aventuras mais empolgantes. Foi aqui o palco da Antiguidade de Grécia e Roma, onde nasceram a Filosofia e o Direito, foi aqui que o Cristianismo cresceu de um modo irreversível ao longo da Idade Média, foi aqui que se deu o movimento humanístico e artístico que ficou conhecido como Renascimento, foi aqui que ocorreu essa mudança extraordinária da percepção do mundo que foi a Revolução Científica, criadora da Ciência moderna, foi aqui que brilhou com intensidade o Iluminismo logo seguido pela reacção romântica, e foi aqui que eclodiu a Revolução Industrial, que acabou por alterar a economia de todo o planeta. Foi ainda aqui, a 9 de Maio de 1950, hoje “Dia da Europa”, que o luxemburguês Robert Schuman, querendo levantar a Europa das ruínas da Segunda Guerra Mundial, propôs a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, antecessora da actual União Europeia. As suas palavras parecem-nos hoje proféticas: “A Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo com um plano único. Far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.”
Portugal, apesar de acabrunhado por uma crise profunda, mal explicada e mal gerida, é hoje um país europeu de parte inteira. É certo que os portugueses, quando forem a 25 de Maio às urnas eleger os seus representantes no Parlamento Europeu, pensarão acima de tudo em questões internas (aumento de impostos, desemprego, degradação do Estado social). E é também certo que muitos portugueses, principalmente os mais jovens, nem sequer se deslocarão para votar, desiludidos como estão com os partidos e com as instituições políticas. No entanto, nesse dia muito se jogará do nosso futuro colectivo daqui até aos Urais, já que a margem de manobra dos estados nacionais no Velho Continente foi truncada em favor de um projecto comum. Ainda que com incertezas e contradições, a Europa dos Estados está dar lugar à Europa da União. A aventura vai continuar e nós podemos dar um contributo para o guião.
No quadro das próximas eleições europeias, é bom lembrar que a Europa não são apenas os outros: somos, desde 1986, também nós. E, tudo somado, os portugueses ainda têm esperança no projecto europeu. Apesar das imposições drásticas de um resgate que, segundo um recente estudo do Eurobarómetro, colocou a insatisfação nacional ao nível da que existe na Bulgária, o facto é que os portugueses ainda acreditam na Europa. Segundo esse Eurobarómetro, os portugueses acreditam bastante mais no euro (44%) e na União Europeia (26%) do que no Governo português (14%) e na Assembleia da República (13%).
Eu acredito no projecto europeu. Para mim, a Europa começou por ser a Europa da ciência e da liberdade. Conheci-a pela primeira vez no Verão de 1975, que em Portugal foi quente. Era estudante universitário de ciências quando saí do país pela primeira vez para participar em Londres num encontro de “jovens cientistas”. Apercebi-me então de que a ciência que eu sabia era a ciência que lá encontrei. E a ciência que eu queria saber era a ciência que ali estava. E, quanto à liberdade, se ela andava já no ar em Portugal, no Reino Unido ela respirava-se há mais tempo. Senti, por exemplo, que, fizesse o que fizesse nas ruas, ninguém reparava em mim. Terminado o curso, em 1978, respirei mais prolongadamente o ar europeu vivendo três anos e meio em Frankfurt am Main, no coração da Alemanha. Uma vez mais a ciência que eu queria saber era a ciência que lá estava à minha disposição. E, no que se refere à liberdade de deslocação, todas as fronteiras europeias até à Alemanha de Leste estavam abertas, excepto as de Portugal que, nesse tempo, antes da entrada do país na Comunidade Europeia, estavam semicerradas: tinham polícias e fiscais da alfândega que fechavam a fronteira quando iam dormir. Os jovens hoje que fazem Erasmus por essa Europa fora, viajando em low-cost pago em euros, sem apresentar documentos nem mostrar as bagagens, têm experiências ainda mais fortes de Europa do que a minha. Têm, ao fim e ao cabo, razões para se sentirem ainda mais europeus do que eu.
Porquê ir votar? Faço minhas as palavras de Le Goff: “Para mim, a Europa é um grande projecto, onde podemos investir os desejos, os esforços, as paixões, por meio das quais cada homem deve investir na história. Não podemos assistir passivamente ao espectáculo da nossa própria vida. Temos de nos inserir modestamente no conjunto onde sentimos que há vontade de criação.” Por muitas dificuldades no percurso criativo que estamos a fazer de Europa, mesmo que nos faltem líderes visionários como Schuman, vale a pena continuar a construir essa bela aventura que a história nos legou.
Professor universitário (tcarlos@uc.pt)