Entre os cortes e o aumento do desemprego, sustentabilidade das pensões está ainda por assegurar
Medidas tomadas ao longo dos últimos três anos foram "balão de oxigénio" para o curto prazo. Embora tenham consequências no futuro, falta uma reforma mais profunda e coerente.
Cortes nas pensões de velhice acima dos 1000 euros (através da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, a CES) e nas pensões de sobrevivência em pagamento, aumento da idade da reforma, suspensão das reformas antecipadas no regime geral da Segurança Social, convergência da fórmula de cálculo das pensões da Caixa Geral de Aposentações e congelamento da actualização das pensões (apenas algumas pensões mínimas foram actualizadas). Pelo meio, houve ainda a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal. Estas foram algumas das medidas com que os pensionistas se confrontaram, vendo os seus rendimentos reduzir-se de forma abrupta e gerando uma onda de contestação social. Surgiram vários movimentos de reformados, que foram tomando conta do espaço público para reivindicarem os seus direitos, algo relativamente inédito em Portugal.
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Cortes nas pensões de velhice acima dos 1000 euros (através da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, a CES) e nas pensões de sobrevivência em pagamento, aumento da idade da reforma, suspensão das reformas antecipadas no regime geral da Segurança Social, convergência da fórmula de cálculo das pensões da Caixa Geral de Aposentações e congelamento da actualização das pensões (apenas algumas pensões mínimas foram actualizadas). Pelo meio, houve ainda a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal. Estas foram algumas das medidas com que os pensionistas se confrontaram, vendo os seus rendimentos reduzir-se de forma abrupta e gerando uma onda de contestação social. Surgiram vários movimentos de reformados, que foram tomando conta do espaço público para reivindicarem os seus direitos, algo relativamente inédito em Portugal.
Para os especialistas contactados pelo PÚBLICO, as medidas foram, sobretudo, “um balão de oxigénio” para resolver problemas de curto prazo, faltando uma reforma abrangente e coerente. Alfredo Marvão Pereira, economista e professor no College of William and Mary, Estados Unidos, lembra que “todas as medidas tomadas ao longo dos anos foram medidas avulsas da perspectiva da segurança social, já que o objectivo central e assumido era a consolidação orçamental”. Mas lembra que “os problemas endémicos do nosso sistema de pensões, que já existiam antes da crise, não foram devidamente resolvidos antes da dita (as tentativas de reforma foram sempre muito limitadas) e também não desapareceram com a crise”.
E lamenta que o memorando de entendimento e as suas sucessivas avaliações “tenham deixado de lado as oportunidades de mexer no sistema”. O resultado, diz Marvão Pereira, foram cortes no valor das pensões e mudanças na fórmula de cálculo.
António Bagão Félix, economista e uma das vozes que mais discordaram da CES, entende que não se faz uma reforma da Segurança Social em contexto de recessão e considera que a lista de mudanças feitas nos últimos três anos “tiveram uma preocupação estrita de curto prazo”.
Porém, nota, “não há dúvidas de que vão ter consequências na sustentabilidade futura”. É o caso por exemplo, da suspensão das reformas antecipadas no regime geral que terá um efeito estrutural positivo “ao aproximar a idade média da reforma da idade legal”. Ou do aumento da idade da reforma para os 66 anos que faz com que, em 2014, praticamente não vá haver novos pensionistas, nem novas reformas para pagar.
“As medidas são balões de oxigénio, mas não resolvem o problema de fundo”, lamenta Jorge Bravo, professor da Universidade de Évora, “o sistema de repartição depende das gerações activas que estão em declínio”.
A sustentabilidade do sistema de pensões, lembra, foi agravado pelas elevadas taxas de desemprego (durante o programa atingiram níveis históricos), mas não é um problema conjuntural. “O défice vai acumulando e o ajustamento terá de ser mais profundo, recaindo sobretudo nas gerações futuras. Como é que um sistema que já é deficitário vai conseguir sobreviver no futuro?”, questiona.
As projecções feitas no Documento de Estratégia Orçamental, apontam para um aumento do défice do sistema previdencial de pensões na ordem dos 1,6 pontos percentuais do PIB entre 2013 e 2060. Este resultado é, segundo o Governo, o resultado do aumento superior da despesa com pensões (em 1,8 pontos percentuais do PIB) face ao das receitas oriundas das contribuições (0,2 pontos percentuais do PIB). Jorge Bravo receia que estas projecções sejam optimistas e que a próxima revisão no âmbito do grupo de trabalho para o envelhecimento da Comissão Europeia (Ageing Working Group) venha a revelar uma realidade bem mais preocupante.
Até porque um esquema de repartição é particularmente vulnerável ao envelhecimento da população. A este receio acresce um outro, o elevado desemprego estrutural - em 2009, a taxa de desemprego estrutural passou a barreira dos 10% e no final do ano passado estava nos 15,2%. São milhares de pessoas que deixarão de contribuir e que, com o tempo, se transformam num peso para os sistemas de protecção social.
Contribuições caem pela primeira vez
O que aconteceu do ponto de vista das contribuições durante a passagem da troika por Portugal é um sinal e alerta para o futuro. A queda da economia, o elevado desemprego, a queda da população empregada para os níveis dos anos 80 e os cortes salariais na função pública levaram a que, em 2011 e pela primeira vez em quatro décadas, se registasse uma redução do volume de contribuições para os sistemas de pensões.
Os dados mostram que apenas em 2013 se verificou de novo um aumento, fruto do efeito do pagamento da totalidade dos subsídios aos funcionários públicos. Mas em 2014 estima-se que o total de contribuições volte a cair e fique abaixo dos 20 mil milhões de euros.
Para Bagão Félix, o principal ponto de desequilíbrio do sistema é o desemprego: “Hoje em dia quando se fala na relação entre activos e inactivos mais valia falar na relação entre activos empregados e inactivos”.
O antigo ministro da Segurança Social fez as contas para uma taxa de desemprego de 16% (entretanto, no primeiro trimestre de 2014 baixou para os 15,1%) e aponta para um impacto nas contas públicas na ordem dos 8 mil milhões de euros. Este é o resultado dos 2,8 mil milhões de euros gastos com subsídios de desemprego, a que somam 1, 4 mil milhões correspondentes à equivalência contributiva (os desempregados continuam a fazer descontos virtuais para a sua pensão) e 4 mil milhões de perda de taxa social única e de impostos. A solução, alerta o antigo ministro do Governo de Barroso/Portas, passa pela criação de riqueza e pela economia.
Os avisos do Constitucional
É precisamente o crescimento da economia que irá determinar, como escreve o Governo no guião da reforma do Estado, uma reforma mais profunda do sistema.
Para já está na calha a substituição das medidas temporárias por medidas definitivas. A solução encontrada pelo Governo para substituir a CES passa por uma contribuição de sustentabilidade e por um aumento das contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social (de 11 para 11,2%) e da taxa normal do IVA (de 23% para 23,25%).
A questão é saber se o Tribunal Constitucional (TC) aceita a solução e a encara como “uma reforma estrutural”.
A CES, que o Presidente da República considerou um imposto, passou no crivo do TC por ser uma medida transitória, mas ao longo dos sucessivos acordos que analisaram outras medidas extraordinárias, os juízes foram avisando que o Governo teria de encontrar outras soluções. Em finais de 2013, quando teve de analisar o diploma que cortava 10% nas pensões em pagamento da Caixa Geral de Aposentações, o TC deixou claro que só se justifica corte nas pensões em pagamento “eventualmente no contexto de uma reforma estrutural”, que tenha como objectivos a sustentabilidade do sistema público de pensões, a igualdade proporcional a solidariedade entre gerações. Resta saber se os requisitos estão cumpridos.