“China não desenvolverá liberalização política correspondente à económica e social”

Carlos Gaspar, da direcção e do Conselho Científico do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, sustenta que o processo de transição da soberania de Macau para Pequim solidificou a confiança entre os dois países.

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Nuno Ferreira Santos

Celebram-se 35 anos do reatar das relações diplomáticas entre  Portugal e a China. Que balanço faz deste período?
É preciso dividir o período em três partes. O primeiro, entre 1979 e 87, esteve dominado pela presença de Portugal em Macau e pela necessidade de negociar a Declaração Conjunta sobre o futuro de Macau: foi uma negociação complexa e difícil, em que as partes puderam definir os termos da transferência de soberania de uma forma que Portugal e a China consideraram aceitável. O segundo, entre 1987 e 99, correspondeu, por um lado, ao processo de transição previsto para a cessação da presença portuguesa e, por outro, a uma elevação significativa do nível político das relações bilaterais, com sucessivos encontros entre os chefes de Estado e os primeiros-ministros. Ao mesmo tempo foi um período em que as partes tiveram de encontrar os compromissos para assegurar uma transição controlada em Macau e em que se construiu uma relação política relevante entre Portugal e a China. A partir de 1999, o terceiro momento tornou possível a recentragem das relações bilaterais, que deixaram de estar condicionadas pela “questão de Macau” e puderam intensificar-se, nomeadamente com a definição de uma Parceria Estratégica bilateral. Portugal é um dos raros pequenos Estados que concluiu uma parceria estratégica com a China, sinal claro das relações especiais entre os dois Estados.

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Celebram-se 35 anos do reatar das relações diplomáticas entre  Portugal e a China. Que balanço faz deste período?
É preciso dividir o período em três partes. O primeiro, entre 1979 e 87, esteve dominado pela presença de Portugal em Macau e pela necessidade de negociar a Declaração Conjunta sobre o futuro de Macau: foi uma negociação complexa e difícil, em que as partes puderam definir os termos da transferência de soberania de uma forma que Portugal e a China consideraram aceitável. O segundo, entre 1987 e 99, correspondeu, por um lado, ao processo de transição previsto para a cessação da presença portuguesa e, por outro, a uma elevação significativa do nível político das relações bilaterais, com sucessivos encontros entre os chefes de Estado e os primeiros-ministros. Ao mesmo tempo foi um período em que as partes tiveram de encontrar os compromissos para assegurar uma transição controlada em Macau e em que se construiu uma relação política relevante entre Portugal e a China. A partir de 1999, o terceiro momento tornou possível a recentragem das relações bilaterais, que deixaram de estar condicionadas pela “questão de Macau” e puderam intensificar-se, nomeadamente com a definição de uma Parceria Estratégica bilateral. Portugal é um dos raros pequenos Estados que concluiu uma parceria estratégica com a China, sinal claro das relações especiais entre os dois Estados.

Em 2014 assinalam-se 15 anos de criação da  Região Administrativa de Macau que continua a atrair portugueses. O modo como se processou a passagem da soberania de Macau explica o actual relacionamento de Portugal com a China?
Em parte, e no sentido em que as próprias dificuldades de negociação da Declaração Conjunta e ao longo do processo de transição, até Dezembro de 1999, obrigaram as duas partes a encontrar compromissos políticos e a desenvolver uma relação de confiança diplomática.

Os grandes investimentos feitos desde 2012 pela China em Portugal [mais de 4 mil milhões de euros] têm sido muito criticados. Como investigador e analista qual é a sua opinião?
Portugal empenhou-se em obter investimentos significativos da China, nomeadamente no domínio da energia, que abriram uma nova dimensão significativa nas relações económicas e políticas entre os dois Estados. Esses investimentos resultaram de uma prioridade portuguesa à qual a China respondeu positivamente.

Como vê a relação da China com Portugal, articulada aos interesses em África (Angola e Moçambique), Brasil….
A China tem relações bilaterais próprias e separadas com Portugal, o Brasil, Angola e com os outros países de língua portuguesa. As relações sino-portuguesas não devem nem perder a sua autonomia, nem estar dependentes das relações da China com outros países de língua portuguesa.

O que pensa da aposta no valor da língua portuguesa e da sua divulgação na China?
A China é uma grande potência internacional com uma estratégia de língua portuguesa. Essa estratégia é importante para Portugal, nomeadamente nas suas dimensões culturais, e tem sido um domínio electivo da cooperação sino-portuguesa, com realce para as instituições universitárias nacionais.

Concorda com quem defende que Portugal é uma porta de entrada da China na União Europeia (UE)?
A China não precisa de portas de entrada na UE, mas parece interessada em ter relações especiais com um certo número de Estados membros, incluindo Portugal.

Que mudou na globalização económica com a entrada da China na OMC [Organização Mundial do Comércio]?
Tudo, ou quase tudo, para a economia chinesa, que pôde acelerar o seu crescimento e a sua modernização exponencialmente, tirando o maior partido do ciclo de globalização económica e financeira.

Quando aderiu à OMC vaticinava-se que para manter a China a crescer a ritmos elevados, o governo teria de proceder a uma maior liberalização económica, mas também a grandes reformas políticas. Não foi, aparentemente, o que aconteceu…
Ninguém podia, nem pode ter ilusões sobre a determinação das autoridades chinesas em seguir uma estratégia de liberalização económica e social e em impedir uma estratégia correspondente de liberalização politica.

Não é um risco a prosperidade no mundo estar hoje dependente de um país com as características territoriais, politicas e económicas da China?
A economia internacional tem beneficiado da estabilidade política e do dinamismo extraordinário da economia chinesa, mas não está dependente da China.

Centenas de manifestações por dia na China, mantendo-se o governo musculado não é um sinal de risco de que o tecido social pode incendiar-se?
O aumento da conflitualidade social na China é parte integrante dos processos acelerados de industrialização, de urbanização e de modernização, mas as autoridades centrais e provinciais têm demonstrado, até à data, uma certa flexibilidade nas respostas diversas e relativamente eficazes à crescente mobilização social.

Os ventos de Primavera em Pequim não têm acabado com a aversão ao risco e as preocupações com a estabilidade. É possível assegurar o crescimento económico da China sem liberalizar o regime?
A preocupação constante com a estabilidade política, que as elites consideram ser indispensável para garantir a unidade e a integridade da China, é inteiramente legítima. Nos últimos 150 anos, a China dividiu-se, atravessou longos períodos de guerra civil e de invasão externa e só recuperou a unidade a partir de 1949. Nesses termos, a estabilidade política é uma obsessão legítima do regime comunista chinês, que demonstrou, nos últimos 30 anos, que é possível seguir uma política continuada de liberalização económica e social sem uma correspondente liberalização política. Deng Xiaoping conseguiu fazer na China o que Mikhail Gorbachev não conseguiu fazer na União Soviética justamente por ter separado as dimensões económica e social da dimensão política.

Há quem defenda que a India é um interveniente da globalização mais relevante do que a China por falar inglês, ter uma elite mais instruída e com capital interno que garante o investimento doméstico. Concorda?
A India tem três vantagens competitivas em relação à China - é uma democracia pluralista, as suas classes médias são educadas em inglês e têm tido um nível médio de formação avançada superior. Mas a India ainda não conseguiu transformar essas vantagens numa estratégia global tão eficaz como foi a chinesa até à data.