Likolândia: pensamos antes de fazer “gosto”?
No Facebook como na vida, são as escolhas que traçam o caminho, que decidem o destino. Saber escolher exige também exclusão, porque é no filtro que mora o potencial da qualidade e é na imensidão da escassez que reside o valor
Quando a minha crónica publicada dia 7 de Maio começou a explodir viralmente pelas redes sociais, algo me surpreendeu desde o primeiro momento: o consenso. De facto, apenas algumas horas volvidas sobre a sua publicação e quando ainda não tínhamos dobrado a barreira das dez mil visualizações, já se contavam quase onze mil gostos, só no Facebook.
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Quando a minha crónica publicada dia 7 de Maio começou a explodir viralmente pelas redes sociais, algo me surpreendeu desde o primeiro momento: o consenso. De facto, apenas algumas horas volvidas sobre a sua publicação e quando ainda não tínhamos dobrado a barreira das dez mil visualizações, já se contavam quase onze mil gostos, só no Facebook.
Semi-cerrei os olhos, confuso. Mais gostos que leituras? Deve ser provavelmente um erro, pensei. Mas o desassossego começou a tomar conta de mim — e ainda bem, porque o consenso é bem mais perigoso que a inquietude da dúvida.
Investiguei o sucedido em outros artigos que tinha publicado recentemente e conclui que é mesmo verdade: há mais pessoas a fazer “like” do que a ler o respectivo artigo ou “post”. A constatação é brutal, sobretudo porque não sou ingénuo ao ponto de acreditar que toda a gente que lê gosta. Ou concorda. Portanto, só posso concluir que há muita gente que faz “like” sem ler. Que acena a cabeça sem pensar.
Se fosse um movimento limitado aos meus leitores, eu ficaria honrado. Agradecido, deliciado, babado. Mas não, trata-se de um comportamento mais ou menos generalizado: dizemos que sim sem pensar. E infelizmente não é só no Facebook, porque nesse perímetro o domínio teria um impacto limitado e menos relevante. Somos assim quando reencaminhamos para as nossas redes pedidos de ajuda falsos ou mal intencionados, quando ajudamos a espalhar supostas verdades sem sabermos onde acaba a realidade e começa a ficção, a mentira e a invenção. Sobretudo somos assim quando recebemos a informação de alguém em quem confiamos, incapazes de perceber que essa pessoa fez exactamente o mesmo que nós: acreditou sem ponderar, concordou sem questionar, disse que sim sem pensar — ou simplesmente para agradar.
Nunca esqueçamos que a condescendência torna mais pobres aqueles a quem queremos agradar, em vez de os ajudar.
Cada vez que fazemos “like” num “post”, página ou marca estamos a fazer duas coisas: a aconselhar esse conteúdo às nossas redes e a dizer ao Facebook para nos dar mais daquilo e menos de outras coisas quaisquer. Se queremos agradar a todos, desvalorizamos a nossa moeda, enquanto passamos a receber conteúdo de que gostamos menos. Que sentido tem tudo isto?
No Facebook como na vida, são as escolhas que traçam o caminho, que decidem o destino. Saber escolher exige também exclusão, porque é no filtro que mora o potencial da qualidade e é na imensidão da escassez que reside o valor. É no epicentro desse valor que podemos evoluir e crescer, que queremos estar, que queremos ficar. É nesse domínio da exclusividade que nos queremos entregar.
Será que um ramo de flores recebido de alguém que os distribui indiscriminadamente tem o mesmo valor que um escolhido com cuidado e enviado exclusivamente à pessoa eleita para tal honra?