Finanças travam classificação de imóveis do Estado como monumentos nacionais para poderem vendê-los
Classificação de dois imóveis do Estado como monumentos nacionais já foi bloqueada. Uma delas chegou a ser agendada para Conselho de Ministros no ano passado, mas não foi por diante porque a sua concretização impediria negócios futuros.
Fundada na segunda metade do século XVIII, a quinta do Marquês de Pombal, no centro de Oeiras, tem a sua área nobre, a chamada Quinta de Baixo, onde se encontram os jardins e o palácio, classificada como monumento nacional desde 1953. Adquirida em 2004 à Fundação Gulbenkian pela Câmara de Oeiras, esta parcela da propriedade acolheu até há poucos anos o antigo Instituto Nacional de Administração.
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Fundada na segunda metade do século XVIII, a quinta do Marquês de Pombal, no centro de Oeiras, tem a sua área nobre, a chamada Quinta de Baixo, onde se encontram os jardins e o palácio, classificada como monumento nacional desde 1953. Adquirida em 2004 à Fundação Gulbenkian pela Câmara de Oeiras, esta parcela da propriedade acolheu até há poucos anos o antigo Instituto Nacional de Administração.
Os restantes 80% da quinta, a chamada Quinta de Cima, que é totalmente murada e ocupa perto de 200 hectares, tinham uma vocação essencialmente agrícola, que estão há muito na posse do Estado, sem qualquer classificação patrimonial. É lá que está instalado o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária — que absorveu a antiga Estação Agronómica Nacional —, mas é lá também que permanecem inúmeras marcas da exploração agrícola setecentista e das áreas de recreio que ali existiam, incluindo o sistema hidráulico criado por Carlos Mardel, o arquitecto que projectou o palácio do marquês.
Face aos riscos resultantes da pressão imobiliária que atinge este enclave verde rodeado de urbanizações foi a própria Câmara de Oeiras a propor ao Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico, em 2003, a ampliação a toda a quinta da classificação como Monumento Nacional que protege apenas a quinta de Baixo.
A proposta partiu de Teresa Zambujo, que ocupava o lugar de Isaltino Morais, então ministro do Ambiente, e levou a que também a Câmara de Cascais, em 2007, solicitasse a inclusão na zona classificada de vários elementos do sistema de abastecimento de água à quinta situados extra-muros, em território do seu concelho.
Concluída a instrução do processo de ampliação da classificação, o Conselho Nacional de Cultura emitiu em 2012 um parecer onde afirma que “a extensão da classificação a todos os elementos constitutivos do imóvel (...) enquadra-se numa atitude de reconhecimento do valor cultural da criação arquitectónica e paisagística portuguesa setecentista, constituindo-se o bem a classificar como valor cultural e patrimonial de enorme relevância não apenas ao nível da vivência palaciana, mas ainda à sua consumada expressão através da quinta de recreio que caracterizava a vida de Setecentos, nomeadamente no entorno de Lisboa”.
Quem também achou que o Monumento Nacional devia abranger os 200 hectares da Quinta de Cima e não apenas a zona do palácio foi o actual secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, que em Maio do ano passado aprovou um projecto de decreto-lei preparado pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) para formalizar a ampliação da classificação.
Agendado para a reunião do Conselho de Ministros de 27 de Junho daquele ano, o projecto acabou por não ser objecto de qualquer decisão. Motivo: o Ministério das Finanças, através da Direcção-geral do Tesouro e Finanças (DGTF), emitiu um parecer na véspera da reunião do Conselho de Ministros em que se opõe à proposta do secretário de Estado da Cultura.
De acordo com a DGTF, a classificação de toda a propriedade como Monumento Nacional implicaria a sua integração no domínio público do Estado e entraria em conflito com os interesses deste “no que diz respeito à disposição e utilização não condicionada daquele património”.
Para ultrapassar os entraves das Finanças e assegurar a protecção da possível quinta, ainda que inferior, a DGPC avançou, entretanto, com uma alternativa. Essa solução já foi aceite pelo secretário de Estado da Cultura e vai no sentido de a propriedade ser classificada já não como Monumento Nacional, mas como Conjunto de Interesse Público. O respectivo processo foi iniciado no mês passado.
No caso de Vila Conde verificou-se uma situação em tudo idêntica, na medida em que, com os mesmos argumentos, a DGTF se opôs à ampliação da classificação da Igreja de Santa Clara, que é Monumento Nacional desde 1910, ao convento a que está ligada.
O convento albergou durante muitos anos um reformatório de rapazes e encontra-se fortemente degradado, tendo fracassado em 2008 um projecto do grupo Pestana que visava a sua transformação em pousada. A inclusão do convento no conjunto classificado como Monumento Nacional foi proposta no início deste ano pela Direcção Geral do Património Cultural, mas a DGTF travou o processo.
Os argumentos do Ministério das Finanças
Um ofício dirigido à DGPC pelo subdirector-geral do Tesouro e Finanças, no fim do mês passado, explica a posição do Ministério das Finanças.
No essencial, escreve Bernardo Alabaça, a classificação de um imóvel do Estado como Monumento Nacional determina o seu ingresso no “domínio público monumental ou cultural, situação que não se verifica quando a um imóvel do Estado é atribuída a classificação de interesse público”.
Neste caso, salienta, o bem “permanece no domínio privado do Estado”. O problema está em que, ao ser classificado como Monumento Nacional, o imóvel entra na categoria dos bens domínio público do Estado, os quais estão, por definição legal, “fora do comércio privado, sendo imprescritíveis [não podem ser adquiridos por usucapião] e impenhoráveis”.
Bernardo Alabaça não aponta, porém, uma terceira característica dos bens do domínio público do Estado: são inalienáveis, de acordo com o decreto-lei 280/2007. O que significa, entre muitas outras coisas, que não podem ser vendidos.
Também no parecer com que travou a classificação da parte agrícola da Quinta do Marquês como Monumento Nacional, a DGTF defende a exclusão da área a classificar de uma grande parcela da propriedade, “por forma a melhor compatibilizar os interesses em causa, salvaguardando os interesses do Estado, no que diz respeito à disposição e utilização não condicionada daquele património”.
Questionado pelo PÚBLICO sobre se as posições assumidas pela DGTF nos dois casos aqui referidos traduz uma nova orientação de natureza permanente, o gabinete da ministra das Finanças respondeu apenas que essas posições têm em vista “assegurar a maior latitude procedimental possível por forma a encontrar as melhores soluções de valorização patrimonial e cultural, enquadráveis pela legislação vigente.” E acrescentou: “Não foram identificados mais casos semelhantes”.