Casais chineses apressam-se a ter filhos antes do Ano da Ovelha
Diz a superstição que estes são bichos que seguem e não lideram.
As ovelhas são bichos mansos cujo destino é o matadouro. Diz a superstição que, quando crescerem, os bebés nascidos no Ano da Ovelha vão tornar-se seguidores e não líderes. Muitos chineses acreditam que estas crianças serão infelizes no casamento e não terão sucesso nos negócios. Um ditado popular diz que só 10% das pessoas nascidas no Ano da Ovelha encontram a felicidade.
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As ovelhas são bichos mansos cujo destino é o matadouro. Diz a superstição que, quando crescerem, os bebés nascidos no Ano da Ovelha vão tornar-se seguidores e não líderes. Muitos chineses acreditam que estas crianças serão infelizes no casamento e não terão sucesso nos negócios. Um ditado popular diz que só 10% das pessoas nascidas no Ano da Ovelha encontram a felicidade.
Os profissionais de Saúde confirmam que a procura de consultas de fertilidade aumentou nos últimos meses. E alguns médicos mostraram-se preocupados por se poder vir a assistir a um correspondente aumento de abortos no final do ano, quando os casais fizerem as contas e perceberem que os filhos não vão nascer no Ano do Cavalo. Segundo o calendário lunar chinês, o Ano da Ovelha (também chamado da Cabra ou do Carneiro) começa a 19 de Fevereiro de 2015, por isso a janela para a concepção termina no fim do mês. Muitos casais estão a ir ao médico perguntar se podem adiantar o parto fazendo uma cesariana, diz Li Jianjun, obstetra no hospital Família Unida de Pequim.
A febre dos bebés está tão propagada que a agência noticiosa estatal emitiu um despacho tentando desmistificar a má sorte dos nascidos no Ano da Ovelha — são mitos “infundados”, lia-se no texto.
“Damos o nosso melhor para que os casais não acreditem na superstição da ovelha”, diz uma funcionária do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças. A mulher, que pediu anonimato porque não foi autorizada a dar entrevistas, diz que o assunto se tornou tão recorrente que é mencionado nas aulas frequentadas pelos futuros pais.
Os profissionais médicos não têm uma tarefa fácil nesta luta contra a superstição. A funcionária diz que mesmo os seus colegas no Centro de Controlo de Doenças são obcecados com a suposta boa sorte que o Ano do Cavalo dá.
Não se sabe ao certo como o Ano da Ovelha ganhou tão má reputação. Cada um dos 12 animais do zodíaco chinês tem virtudes e defeitos. Os favoritos são o dragão, que é seguido pelo tigre e pelo cavalo — um animal energético e associado ao sucesso, segundo os provérbios chineses.
Até os ratos (considerados espertos e ágeis) e as cobras (que parecem dragões em miniatura) estão associados à boa sorte. Mas as ovelhas têm poucas qualidades, segundo algumas interpretações.
Os nascidos nos anos da ovelha são considerados passivos, leais, generosos e bondosos. Algumas destas características são virtudes num mundo perfeito, mas não são qualidades neste mundo real e cão.
“É uma superstição infeliz e anacrónica”, diz Dong Mengzhi, de 74 anos, presidente honorário da Sociedade de Literatura Popular e Arte de Pequim. “Mas para muitos é uma forma conveniente de explicarem as imprevisibilidades do mundo”.
Justa ou injustamente, uma das primeiras coisas que os pais de Zhang Xiaolei fizeram quando ela ficou noiva, em 2012, foi sentarem-se com o calendário à frente a planear o nascimento do primeiro neto. “Decidimos por unanimidade apressar as coisas para evitarmos o Ano da Ovelha”, diz esta mulher de 27 anos, que é funcionária pública na província de Shangdong. O seu marido deixou imediatamente de beber e começou a fazer exercício para aumentar a sua fertilidade. Zhang começou uma dieta e a dormir mais horas. Mas passados um ano e meio, Zhang continua sem engravidar. “Não sei o que se passou”, diz Zhang. “Talvez tenha sido a pressão”.
Zhang e o marido — ambos nascidos num Ano do Dragão, o mais auspicioso de todos — consolam-se com a ideia de que o seu filho não será uma das tais dez ovelhas que não vão encontrar a felicidade, caso não consigam engravidar ainda este ano.
Alguns demógrafos reconhecem a importância cultural dos signos, mas outros não concordam com a tese que diz que afecta a taxa de natalidade a nível nacional. Algumas províncias e hospitais mostram aumentos de natalidade em anos de signos relacionados com a boa sorte e um decréscimo nos anos da ovelha. Mas não se nota uma influência decisiva na demografia nacional, diz Duan Chengrong, um especialista em população, que em 2003 publicou um dos raros estudos sobre este fenómeno na China. “Não quer dizer que não seja um factor. Mas é um factor cujos resultados se diluem, e são secundarizados, nos números globais“, diz numa entrevista telefónica.
Entre os factores que nas últimas décadas afectaram a taxa de natalidade na China — e que complicam as interpretações dos números — estão os acontecimentos políticos e económicos e a política do filho único.
Noutros países, os demógrafos também têm tentado relacionar aumentos súbitos na natalidade com fenómenos específicos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os jornais explicaram um surto de natalidade em Nova Iorque com um blackout de 1965 — sugerindo que os casais não encontraram mais nada para fazer às escuras do que procriar. Um ano depois, os especialistas rebateram a teoria.
Na China, há quem considere que toda a atenção dada aos signos é uma perda de tempo. “As pessoas só se interessam pelos signos porque tornam as coisas mais fáceis de entender do que a verdade”, diz Wen Chaoliang, de 39 anos. “O que realmente importa não é o signo mas a hora exacta em que se nasce”, defende este especialista em Feng shui — a arte de organizar os objectos e os números para darem sorte, — que, por 362 euros, ajuda casais a escolherem a melhor hora para o nascimento dos filhos através de cesariana. Por mais 130 escolhe o melhor nome para a criança, e por 2100 euros reorganiza os móveis dos clientes para que os recém-nascidos tenham a melhor sorte do mundo.
“Não queremos todos que os nossos filhos tenham sucesso?", diz. "Não queremos todos que os nossos filhos sejam saudáveis e felizes? Pensem nisso.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post