Nos bastidores do Novas Oportunidades por quem lá trabalhou cinco anos
Susana Nobre foi profissional de reconhecimento de competências do Novas Oportunidades, programa-símbolo do Governo de Sócrates. E fez um filme, Vida Activa, que se estreia nesta quinta-feira.
O cortador de carnes, a funcionária da junta, o serralheiro mecânico também têm isto em comum: inscreveram-se no Novas Oportunidades — programa emblemático do Governo de José Sócrates, lançado em 2006, alvo de elogios e de críticas, pelo qual passaram mais de um milhão de portugueses. Cerca de 409 mil obtiveram, por essa via, um certificado equivalente ao 9.º ou ao 12.º ano, a maioria depois de terem visto reconhecidas competências que tinham adquirido ao longo da sua vida profissional, na fábrica, no campo, na rua. Um documentário de Susana Nobre, que nesta quinta-feira se estreia no Cinema City Alvalade, em Lisboa, mostra os bastidores deste programa de qualificação que o actual Governo extinguiu. Chama-se Vida Activa. Após a sessão das 21h30, haverá um debate com o sindicalista e sociólogo Manuel Carvalho da Silva.
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O cortador de carnes, a funcionária da junta, o serralheiro mecânico também têm isto em comum: inscreveram-se no Novas Oportunidades — programa emblemático do Governo de José Sócrates, lançado em 2006, alvo de elogios e de críticas, pelo qual passaram mais de um milhão de portugueses. Cerca de 409 mil obtiveram, por essa via, um certificado equivalente ao 9.º ou ao 12.º ano, a maioria depois de terem visto reconhecidas competências que tinham adquirido ao longo da sua vida profissional, na fábrica, no campo, na rua. Um documentário de Susana Nobre, que nesta quinta-feira se estreia no Cinema City Alvalade, em Lisboa, mostra os bastidores deste programa de qualificação que o actual Governo extinguiu. Chama-se Vida Activa. Após a sessão das 21h30, haverá um debate com o sindicalista e sociólogo Manuel Carvalho da Silva.
Os protagonistas do filme são o cortador de carne, o serralheiro, a funcionária da junta, e muitos outros, em diferentes fases: tensos, quando confrontados com o primeiro teste de avaliação em décadas; orgulhosos, quando lêem o texto que prepararam para descrever “um dia na vida de...”, neste caso deles próprios. Alguns estão ali porque acham de facto que tudo o que aprenderam ao longo da vida pode ajudar a obter um certificado que “abra portas”, nas palavras usadas por João Machado, 60 anos, torneiro mecânico, agora na reforma, que falou ao PÚBLICO numa conversa que juntou também a realizadora de Vida Activa.
Outros, muitos, estão ali obrigados — a certa altura, conta Susana Nobre, todos os desempregados a receber subsídio que não tinham o 9.º ano passaram a ter de inscrever-se nos Centros Novas Oportunidades (CNO). E foi aí, provavelmente, que as coisas começaram a correr menos bem. Essas pessoas “queria trabalho, não formação”. E os CNO eram pressionados a cumprir metas — “x” número de inscritos, “x” número de certificados por mês. “Massificou-se.”
Foi em 2007 que Susana foi convidada a integrar a equipa de um CNO, em Alverca, e passou a ser uma das técnicas a entrevistar e acompanhar quem pretendia iniciar um processo de “reconhecimento, validação e certificação de competências”.
Um ano depois, obteve autorização para filmar. Vida Activa é o resultado de quatro anos a filmar: as primeiras entrevistas com os homens e as mulheres que se dirigiam ao centro (“Qual é a sua profissão?” “Faz o quê concretamente?”); as sessões de Matemática para a Vida ou de Tecnologias (é numa delas que o cortador de carnes se queixa de não perceber de computadores); a discussão do portfólio, onde cada candidato ao certificado relatava e documentava a sua experiência de vida; a discussão perante um júri...
No filme, as pessoas descrevem falências, despedimentos colectivos, o fim de uma certa ideia de trabalho e de lugar na sociedade — falam, sintetiza Nobre, do país nos últimos 40 anos. E de um programa que tendo-se proposto a elevar as qualificações dos portugueses, acabou a ser acusado de facilitismo. João Machado não pode discordar mais. “[Dizerem] que havia facilitismo foi aproveitamento político.”
João Machado sublinha que procurou o centro de Alverca “por causa da valorização”. “Porque é diferente uma pessoa apresentar-se com a 4.ª classe ou com o 9.º ano. Isto era um programa muito completo, com informática, tive de fazer provas, tive de apresentar histórias, aprendi, foi bom para a minha cultura geral. Tenho esta idade mas quero ser activo. Ter o 9.º é ter uma porta aberta.”
Susana Nobre tem uma visão mais crítica. Alguns processos de reconhecimento de competências exigiriam, por ventura, mais formação dos adultos, admite. Mas “havia deficiências na articulação com a formação”. Com o investimento feito (em 2012 o ministro Nuno Crato dizia que se tinham gasto 1800 milhões de euros, só no eixo adultos) “talvez se devesse ter feito muito mais”.
Ainda assim, não tem dúvidas: “Era importante haver uma reforma dos CNO, mas não acho que devesse acabar. O programa tinha resultados imediatos na vida das pessoas, na auto-estima, na economia e na educação. Alguns resultados não são ainda mensuráveis. Por exemplo, o efeito que tinha nas crianças ver os pais nestes processos, a trabalhar em casa...” Pais que, em muitos casos, nunca tinham valorizado tanto a escola.
O novo Governo extinguiu o programa. Vida Activa termina com o encerramento do CNO de Alverca. Em Março de 2013, fecharam os últimos CNO e foram aprovados os Centros para a Qualificação e Ensino Profissional (CQEP), com a promessa de mais exigência e maior empenho no encaminhamento para a formação.
“Entraram em funcionamento a partir de Fevereiro do presente ano”, faz saber o presidente do Conselho Directivo da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, contactado pelo PÚBLICO. Gonçalo Xufre diz que não foram, ainda, emitidos certificados de reconhecimento e certificação de competências ao abrigo das novas regras. Mas garante que todos os processos activos de adultos dos extintos CNO já foram transferidos para os CQEP.