“Este País é uma Anedota”: um livro em que rir é reivindicar
É um livro de anedotas catapultado pela crise. Pelo riso "catártico", "reivindicativo" e de "resistência". Afinal, "onde ri um português, riem logo dois ou três, não é?"
"Um português, um francês e um inglês entram num bar.
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"Um português, um francês e um inglês entram num bar.
Diz o barman:
- Eh, pá! Isto parece uma anedota!"
Não, não é possível que alguma vez tal frase não termine com uma chalaça. Razão que justifica a piada sobre a piada, uma das mais de 300 reunidas no livro “Este País é uma Anedota”, editado em Abril pela Arteplural Edições, chancela do grupo Bertrand.
São mais de 170 páginas de bom-humor, com umas quantas ilustrações “mordazes, simples e elegantes” de Manel Cruz, obra de uma equipa editorial alargada: Catarina Araújo e António Gomes de Almeida, que compilaram as anedotas, Joana Neves, a editora, e, claro, a voz de todos nós, escutada nas conversas de café, no cabelereiro, no elevador, enfim, no “vai-se ouvindo” em todos os sítios onde nascem as anedotas. “Os redactores (...) aguçaram o ouvido e apontaram tudo. Depois foi seleccionar... um trabalho duríssimo!”, conta, por e-mail ao P3, Joana Neves.
Na capa apregoa-se: “Mais de 300 anedotas sobre a crise, a saúde, a justiça, os transportes, o emprego, a educação e outras tragédias à portuguesa.” Como as "inconveniências" provocadas, por exemplo, pelo desemprego jovem:
"Desabafo de um 'jovem' com mais de 30 anos:
— Os meus pais querem que eu viva sozinho, mas recusam-se a sair de casa!"
E ainda “inclui futebol & fado”. Não falta Fátima, Joana? “Ah, isso foi de propósito: guardámos para o próximo volume, que vai ter um suplemento especial de Fátima e Facebook.” É o país dos três-agora-quatro “F” a descoberto, num momento em que é “preciso exercitar um direito fundamental que assiste a todos os cidadãos: o direito de rir”.
“A crise foi definitivamente o principal incentivo [para lançar o livro]”, confirma a editora. Não é por acaso que Portugal tem “uma história riquíssima de humor” que floresce nas alturas mais complicadas — “se calhar porque também temos uma história riquíssima de ter crises!”. “De Gil Vicente a Stuart [Carvalhais], não há quem ria da crise com tanta piada como um português. E onde ri um português, riem logo dois ou três, não é?”
Pelo direito à reivindicação
À “quantidade de notícias deprimentes” que bombardeiam os cidadãos diariamente — “cortes, reduções, aumentos de impostos, corrupções e fraudes que ficam praticamente impunes” — há uma resposta. “O riso é, nestes casos, bastante catártico, e acreditamos que uma boa gargalhada nos permite ganhar a perspectiva necessária para podermos exercer o outro direito fundamental: o da reivindicação.”
Sim, o livro toca em assuntos sérios a brincar. É uma forma de “despertar consciências”. Afinal, é esta a força do humor, como se verifica, por exemplo, em programas como o “Daily Show”, explica Joana. “Por vezes, o que não nos comove ou sensibiliza na vida real, pode tocar-nos se for apresentado de forma caricatural. O poder do humor é imenso; esta capacidade que temos de ir aliviando a tensão contando umas anedotas uns aos outros e rindo um bocado disto tudo, é o que nos permite superar as maiores adversidades, mas também é uma forma de resistência muito potente: quando nos rimos de uma coisa, acabamos por a despir da sua capacidade de nos aterrorizar ou oprimir.”
Há piadas que “são contadas, exactamente da mesma forma, noutros países, noutras épocas históricas, sobre outros regimes políticos”, evidencia Joana. A mesma que hoje se refere a Passos Coelho, antes falava de Cavaco Silva e, noutro contexto, a Samora Machel, Thatcher, Miterrand ou Kohl. “As anedotas são uma forma de vida que se propaga muito!” E não morrem. “O humor é, pela sua própria natureza, subversivo, afinal. Não é por acaso de uma das características que partilham todos os estados totalitários, sejam eles de que natureza forem, é a falta de humor; só em liberdade se pode rir, realmente.” Só mais uma:
"Uma mãe leva a filha à Assembleia da República. Quando entram, a mãe diz -lhe:
– Agora tens de estar caladinha. Sabes porquê, não sabes?
– Sim, porque estão pessoas a dormir."