Carta de intenções ao FMI "não está finalizada" mas medidas são conhecidas, diz Portas
Vice-primeiro-ministro justifica “segredo” sobre conteúdo com “procedimentos” que obrigam a divulgação só depois da entrega ao FMI. PS insiste em conhecer documento.
"Em onze avaliações, houve uma carta de intenções e um memorando de entendimento. Chegámos à 12.ª avaliação, que era a última. Faria sentido existir uma carta de intenções, mas não faria sentido, evidentemente, existir um memorando porque o contrato cessa", declarou Paulo Portas, num entrevista à Rádio Renascença, na terça-feira à noite.
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"Em onze avaliações, houve uma carta de intenções e um memorando de entendimento. Chegámos à 12.ª avaliação, que era a última. Faria sentido existir uma carta de intenções, mas não faria sentido, evidentemente, existir um memorando porque o contrato cessa", declarou Paulo Portas, num entrevista à Rádio Renascença, na terça-feira à noite.
O vice-primeiro-ministro assegurou que "não houve qualquer pedido por parte do FMI de um mini-memorando", agora que Portugal concluiu a 12.ª avaliação e anunciou a saída do programa de resgate sem recurso a qualquer [programa] cautelar, e que a carta de intenções que Portugal terá de enviar ao FMI é um procedimento normal, à semelhança do que aconteceu ao longo destes três anos de resgate.
"A Irlanda, na 12.ª e última avaliação, que podemos comparar com esta nossa, não teve memorando; teve uma carta de intenções que reflecte aquilo que as pessoas, no nosso caso, já conhecem: o Documento de Estratégia Orçamental (DEO) já foi divulgado e os compromissos relativamente à 12.ª avaliação já foram divulgados", sublinhou Paulo Portas.
Questionado sobre as razões pelas quais o Governo não divulga o conteúdo da carta, Paulo Portas frisou que "os procedimentos levam a que a carta de intenções, uma vez finalizada, uma vez entregue, seja analisada nos departamentos do FMI e divulgada depois do board (conselho de directores) a receber. Tem sido assim sempre ao longo de 11 avaliações, vai ser assim na 12.ª".
PS insiste no pedido de explicações
Mas estas explicações não satisfazem o PS, que, pela voz do seu secretário nacional, já veio insistir na necessidade de o Governo divulgar o documento. “O vice-primeiro-ministro está a dizer o seguinte: nós negociámos e sabemos o que negociámos, mas não queremos dizer agora, é só em Junho”, ironizou Eurico Brilhante Dias em conferência de imprensa.
“Não é uma questão de o PS querer saber ou não”, vincou o socialista, que acusou Paulo Portes de “estar a desviar as atenções do essencial” e exigiu que o Governo “diga com clareza qual é o conjunto de compromissos que assumiu e que está plasmado na carta de intenções” até 17 de Maio. E esse essencial, para o PS é que o Governo “deu a 12ª avaliação como terminada, assumiu compromissos, e aquilo que está a dizer agora é que só quer revelar esses compromissos em Junho. Mas nós queremos saber esses compromissos até ao dia 17 de Maio.”
“Se não há medos nem sustos [como afirmou a ministra das Finanças],revelem o conjunto de compromissos”, exigiu Eurico Brilhante Dias. “O PS não conhece a carta e sabe que o Governo português assumiu um compromisso com a troika de tornar permanentes os cortes nos salários da função pública. O instrumento para fazer esses cortes permanentes era a tabela salarial única. Nenhum português nem nenhum funcionário público hoje sabe como é que a tabela salarial única vai afectar o seu rendimento”, vincou.
Mas o PS quer saber mais. Além da carta o maior partido da oposição quer também que o Governo torne público o relatório para a reforma da Segurança Social elaborado pela comissão criada para o efeito e que o primeiro-ministro anunciou já ter recebido.
Também a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, garantiu na segunda-feira, em Bruxelas, que a carta de intenções para o FMI, no quadro da conclusão do programa, "não tem surpresas nem sustos", sendo apenas um reafirmar de compromissos já conhecidos dos portugueses.
Portas sempre quis "um só resgate"
Sobre a saída do programa, o vice-primeiro-ministro disse que a decisão de concluir o programa de resgate financeiro sem recurso a um programa cautelar foi "tomada com prudência", sublinhado que sempre defendeu "um só empréstimo" com a troika.
"Eu disse sempre que a minha linha era um só resgate, um só empréstimo e um só calendário com a troika. Qual era a alternativa a isto? Um segundo resgate? Do meu ponto de vista, um segundo resgate significava mais dependência, mais credores, mais troika em piores condições", afirmou Portas.
"A saída limpa com programa cautelar ou saída limpa directamente para mercados não é dogma de fé, é uma avaliação racional que tem de se fazer do que é que é mais útil para o país e que aumenta a nossa responsabilidade e a nossa liberdade", considera o governante.
Paulo Portas aproveitou para tecer críticas à oposição e a algumas personalidades que questionam a decisão da saída limpa. "Eu estou muito à vontade para respeitar as opiniões de pessoas que desempenham funções muito relevantes. Agora, menos respeito tenho por algumas pessoas que agora dizem que era melhor um cautelar e há seis meses diziam que o melhor era um segundo resgate", sublinhou o governante, acrescentando: "Têm sempre a atitude de que Portugal não é capaz, de que Portugal falha, de que Portugal não pode ambicionar ser um país normal, numa Europa normal, num mundo normal".
Ainda de acordo com o vice-primeiro-ministro, "é evidente que a vida das pessoas não muda instantaneamente", mas haverá mudanças a outros níveis. "Politicamente, muda. Com muita humildade, mas com muito orgulho lhe digo, isto muda a 17 de Maio; (...) outro ponto que muda: a nossa auto-estima", enfatizou Portas, sustentando que "este momento é importante para as pessoas voltarem a confiar e exigirem aos políticos compromissos sérios".