Em defesa do euro: suspender o Tratado

Três boas razões (e mais uma) para suspender o Tratado Orçamental até à sua urgente revisão.

Impossibilium nulla est obligatio

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Impossibilium nulla est obligatio

1 - A violação sistemática, por parte dos estados membros vinculados ao pacto orçamental, incluindo a Alemanha com a violação na parte que impede o excedente orçamental, demonstra que o Tratado Orçamental, apesar da possível boa vontade inicial na sua concepção, não está a cumprir com os objectivos nele plasmados. Assim como nas leis, quando são programáticas e se revelam impotentes nos seus propósitos, urge fazer uma revisão assente na análise da eficácia da aplicação do Tratado. O Tratado Orçamental não pode ter como objectivo imediato a  punição , mas sim, deve ser um documento com metas mas aberto à sua adaptação à realidade. Neste momento a politica "do número mágico" e da austeridade rude falhou.

O seu conteúdo não é para "todo o sempre" e o seu modelo de governação contraria o Tratado da União.

2 - O Tratado Orçamental não contém nenhuma norma que obrigue a sua aplicação "para todo o sempre" sendo, aliás, bem clara a vontade dos estados membros em fazer aplicar o seu conteúdo na medida em que se possa adequar com os outros tratados, em especial o Tratado da União, tendo este uma posição hierarquicamente dominante como fonte de direito. Ora, o Tratado Constitutivo da União claramente estatui políticas com caracter de permanência, constitutivamente programáticas, mas com aplicação directa aos estados e aos povos. Ao contrário, o Tratado Orçamental é um pacto conjuntural, que determina excepcional e pontualmente uma política, no caso deste tratado orçamental, de austeridade e focada no défice público. O Tratado de Lisboa e seus protocolos são inequívocos quanto ao objectivo "emprego", sendo este objectivo uma prioridade das políticas da União. Em confronto dos dois tratados prevalece o de Lisboa e não colhe a teoria de que pela interpretação do Tratado Orçamental o ajustamento em estados como Portugal demorará 20 anos pois esse seria mais um motivo para rever o convénio, atento esse tempo longo de ajustamento que perigaria a coesão na UE.

PolÍticas públicas sim, resgates privados não

3 - Relacionado com os pontos anteriores, a politica comum na União tem de ser um conjunto de políticas públicas, concertadas e coordenadas pelos órgãos da União e entre os seus Estados Membros. A política pontual de ajustamento, ou de apoio, não deve ser entendida como uma iniciativa privada de ajuda aos Estados Membros, que não se recomenda, atenta, até, a experiência recente com Portugal, Grécia e Irlanda. No caso desses "memorandos" ou resgates os mesmos não se enquadram nas políticas estatuídas nos tratados, mas sim num contrato atípico que deu origem às "troikas". O Tratado Orçamental esteve, indevidamente, na base argumentativa dos resgates (privados) e das suas actualizações. A solução para a crise europeia passa pela politica comum e não por apoios financeiros, aliás de legalidade duvidosa, que arruinaram a "Europa dos Povos" e contrariaram o principio do interesse comum da paz, da segurança, da igualdade entre estados membros e da liberdade de circulação de bens e serviços, criando "camisas de forças" que protegem uns estados, violando a coesão. Em linha do que escreveram  no PÚBLICO de 24/02  Thierry Repentin e Michael Roth sobre a solidariedade concreta e recíproca na União.

Desde o tratado da União, em Maastricht , que se aponta para a coesão, sendo a pura convergência orçamental uma ideia instrumental, que já se viu errada, tal como está prevista no tratado orçamental. Será necessária a deflação para que a Alemanha proponha a alteração do tratado? Ou a iminência da guerra? Com a saída "limpa" em Portugal o Tratado esgotou-se.

Advogado