Festival Bons Sons: aldeia cultural em construção

O Bons Sons, festival que ocupa bienalmente a aldeia de Cem Soldos, é uma óptima forma de tomar o pulso à actualidade da música portuguesa.Chega em Agosto e entre os 55 nomes em palco estarão Sérgio Godinho, Ricardo Ribeiro, Memória de Peixe, Samuel Úria, Ermo ou Capicua.

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Sérgio Godinho é um dos destaques entre os 55 nomes que actuarão entre 14 e 17 de Agosto (com recepção ao campista dia 13). Um cartaz tão ecléctico e abrangente quanto o é o actual cenário musical português e que foi apresentado na sua totalidade esta quarta-feira, numa conferência de imprensa transformada em visita à aldeia. Isto porque esta aldeia chamada Cem Soldos e as gentes que a habitam são, de facto, a personagem principal do festival: são os seus habitantes que o constroem, em regime comunitário, e é a ela, através da dinamização do Sport Clube e Operário de Cem Soldos (SCOCS), que os proventos do festival se destinam. 

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Sérgio Godinho é um dos destaques entre os 55 nomes que actuarão entre 14 e 17 de Agosto (com recepção ao campista dia 13). Um cartaz tão ecléctico e abrangente quanto o é o actual cenário musical português e que foi apresentado na sua totalidade esta quarta-feira, numa conferência de imprensa transformada em visita à aldeia. Isto porque esta aldeia chamada Cem Soldos e as gentes que a habitam são, de facto, a personagem principal do festival: são os seus habitantes que o constroem, em regime comunitário, e é a ela, através da dinamização do Sport Clube e Operário de Cem Soldos (SCOCS), que os proventos do festival se destinam. 

Pela aldeia passará o fado de Ricardo Ribeiro e de Gisela João e a guitarra portuguesa de António Chainho, o hip hop de Capicua e as canções pesadelo dos Ermo, a sensibilidade de Noiserv e o experimentalismo rock dos Memória de Peixe, a melancolia solar dos Long Way To Alaska ou a música tradicional portuguesa sabotada com todo o amor pelos Gaiteiros de Lisboa. Passará música que, como diz Luís Ferreira, director artístico do festival, reflecte “o presente neste contexto político, social e cultural” – por isso mesmo, acentua, o festival não repetiu um único nome desde a primeira edição. Mas o Bons Sons mostra algo mais sob a superfície dos concertos e da vivência de uma Cem Soldos transformada em cidade durante quatro dias (aos mil habitantes juntaram-se trinta e cinco mil espectadores na edição 2012).

O Bons Sons divide-se por sete palcos. O Lopes Graça, onde veremos Sérgio Godinho, a Presença das Formigas ou Ricardo Ribeiro; o Giacometti, alojado no cruzamento entre um par de ruas, por onde passarão JP Simões, Amélia Muge ou Norberto Lobo + João Lobo; o Eira, tal como o nome indica uma antiga eira, definitivamente rural, portanto, que será reconvertida em palco para rock urbano, recebendo as Anarchicks ou os First Breath After Coma; o Auditório de Cem Soldos, na antiga Casa do Povo, onde se ouvirá, por exemplo, o piano de Tiago Sousa; o A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, programado pelo portal e arquivo vídeo que lhe dá nome e que ocupará a Igreja de São Sebastião (Lavoisier, Reportório Osório ou Os Capitães de Areia serão alguns dos nomes presentes); o Tarde ao Sol, com os Tocá Rufar, entre outros; e o Acústico, na sede do SCOCS, aberto a quem o quiser ocupar (basta vontade de trocar experiências e de tocar música original).

Na madrugada dos dias de festival o Palco Lopes Graça transformar-se-á, muito a propósito, em Palco Aguardela: os Prémios Megafone, criados após a morte de João Aguardela para distinguir músicos e agentes que trabalham na preservação e renovação da música tradicional portuguesa, serão este ano atribuídos no âmbito do festival, dia 14, contando com a actuação desses extraordinários mirandeses chamados Galandum Galundaina.

Enquanto Luís Ferreira apresenta o cartaz, um tractor anuncia-se ruidosa e lentamente no Largo do Rossio, zona nevrálgica da aldeia (tudo converge para ele, centro de encontro e de convívio) e cenário onde será daqui a uns meses instalado o palco Lopes-Graça. O director artístico do festival aponta: “Aquele é um dos tractores que vai transportar o público da aldeia para o parque de campismo [a um quilómetro de distância]”. Não se veja nada de pitoresco no transporte escolhido (de resto, também haverá autocarros a ligar Cem Soldos a Tomar de hora a hora). Trata-se antes de utilizar os meios e pessoas disponíveis para que o festival se realize a uma escala humana e com uma “cultura participativa”, como diz Luís Ferreira. “Acreditamos que estamos do lado certo”, acrescenta.

Enquanto caminhamos pelas ruas da aldeia, antevemos o que nascerá: a eira que será limpa da vegetação para se transformar em palco, as casas por agora fechadas que se transformarão em tascas com comida regional ou a zona relvada onde estarão em Agosto os burros mirandeses que dali partirão para levar os visitantes em viagem pelas redondezas. Vemos, igualmente, o que já existe. O centro de ATL, sob a alçada do SCOCS, que servirá de zona de apoio a músicos e voluntários do festival, o Auditório de Cem Soldos onde se verão concertos ou o cinema das Curtas em Flagrante e que, por esta altura, acolhe a 18.ª edição da Mostra de Teatro da aldeia, o armazém que é galeria de exposições e que, durante o festival, será programado em parceria com o festival de arte urbana micaelense Walk & Talk.

“O festival é mais um filho da terra”, diz Luís Ferreira. É organizado pela população em regime de voluntariado. Um voluntariado com objectivo preciso. Trabalhar gratuitamente por trabalhar gratuitamente, sem mais, transmitiria a imagem errada. O objectivo é que o trabalho voluntário resulte em algo palpável. Algo como a Casa Aqui Ao Lado, edifício para residências artísticas, ou o projecto de reabilitação urbana Lar Aldeia, através do qual se pretende dar apoio e qualidade de vida à população envelhecida. Ambos os projectos estão “fechados e aprovados” oficialmente. Falta o financiamento para o arranque. Não chegou com a edição 2012, mas os organizadores acreditam que virá com o festival deste ano.

Enquanto ouvimos o showcase de Peixe e de Samuel Úria, breve apresentação da música que ouviremos em Agosto, pensamos que, visto de fora, o Bons Sons é um festival singular no panorama nacional, uma oportunidade de tomar o pulso à vitalidade da música portuguesa actual num cenário e num ambiente peculiar. Pensamos que, visto de dentro é também isso, mas mais. É a parte mais destacada de um objectivo para o qual os organizadores trabalham de forma afincada, constante e consequente: fazer de Cem Soldos “aldeia cultural”, viva e activa. Em Agosto, dezenas de milhares chegarão para experimentar, vivendo a aldeia e a música que a ela chega, o que isso poderá significar.