A tribo do Indie junta-se para filmar Lisboa a oito mãos
Denis Côté, Dominga Sotomayor, Gabriel Abrantes e Marie Losier começam esta semana a filmar em Lisboa. Uma “encomenda” do IndieLisboa a cineastas que têm uma relação especial com o festival e que mostraram desejo de filmar a cidade.
Marie Losier, francesa há muito radicada em Nova Iorque, é a que está em Lisboa há mais tempo (há três semanas) e sai de um intenso período de visionamento de filmes – é júri da competição de curtas-metragens; o canadiano Denis Côté acaba de chegar de Barcelona, esta mesma manhã, e a chilena Dominga Sotomayor está na cidade há alguns dias, que tem aproveitado para passear e descobrir mais recantos. O português Gabriel Abrantes junta-se-lhes no foyer da Culturgest com alguns minutos de atraso.
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Marie Losier, francesa há muito radicada em Nova Iorque, é a que está em Lisboa há mais tempo (há três semanas) e sai de um intenso período de visionamento de filmes – é júri da competição de curtas-metragens; o canadiano Denis Côté acaba de chegar de Barcelona, esta mesma manhã, e a chilena Dominga Sotomayor está na cidade há alguns dias, que tem aproveitado para passear e descobrir mais recantos. O português Gabriel Abrantes junta-se-lhes no foyer da Culturgest com alguns minutos de atraso.
A cumplicidade entre os quatro cineastas é palpável. Percebe-se porque é que são eles, e não outros, a assinarem a realização do filme colectivo que Miguel Valverde e Nuno Sena, directores do Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa, lançaram para marcar o décimo aniversário do certame, e cujas rodagens arrancam esta semana. “Não queríamos fazer uma coisa que fosse comemorativa dos últimos dez anos, mas sim algo que o projectasse para a frente,” diz ao PÚBLICO Valverde, o que explica também porque é que só agora, entre as edições 11 e 12 do Indie, é que o filme entra em produção.
Em comum aos quatro, para lá do entrosamento ou cumplicidade mútuos, uma relação de longa data com o Indie. Denis Côté “é talvez o realizador que mais vezes esteve no festival”, segundo Valverde, com o seu primeiro filme, Les États Nordiques, no concurso de 2006, e quase toda a sua obra apresentada desde então. “E desde o primeiro filme, [o díptico] Olympia [2006], que mostrámos todos os filmes que o Gabriel foi fazendo.”
Marie Losier venceu o prémio máximo do festival em 2011 com o seu documentário sobre o músico dos Throbbing Gristle Genesis P. Orridge The Ballad of Genesis and Lady Jaye; Dominga Sotomayor sucedeu-lhe no palmarés em 2012 com a sua segunda longa-metragem, De Jueves a Domingo. Todos eles mostraram os seus novos trabalhos no festival este ano, confirmando como o Indie tem vindo a criar uma espécie de família que se reencontra a cada nova edição – uma “tribo” que se mantém em contacto.
No entanto, mais do que essa amizade pelo Indie (que, para os quatro realizadores, acaba apenas por aumentar o grau de exigência própria relativamente aos seus filmes), Miguel Valverde avança uma outra razão que liga estes nomes: a maneira como a paisagem é um tema recorrente e forte, personagem de corpo inteiro, na sua obra. “Todos eles, a certa altura, durante os festivais em que estiveram cá, disseram que queriam filmar em Lisboa”, diz. E o propósito do filme é olhar para Lisboa de um modo que evite os tradicionais lugares-comuns turísticos, visto não do ponto de vista de um estrangeiro mas como “alguém de cá”. Abrantes é o único português do grupo, embora tenha viajado para filmar por todo o mundo (Palácios de Pena, a sua média-metragem de 2012, é o título mais “localizado” em Lisboa da sua obra).
O que não há, garantem todos, é nenhum sentido de competição para ver quem faz o melhor filme. Aliás, embora esta seja a primeira vez que estão todos juntos em pessoa, a troca de ideias “virtual” tem sido constante e isso irá traduzir-se na presença de traços de ligação entre os quatro filmes. Mais do que um simples filme em episódios, diz Valverde, a intenção é criar uma “estafeta” em que cada segmento “passe o testemunho” ao seguinte, com uma consistência nem sempre evidente nos filmes em episódios. “Evidentemente, não temos controlo sobre o produto final, não sabemos o que os outros vão fazer,” diz Côté, “mas esse lado de surpresa também é uma das coisas mais estimulantes num objecto deste tipo”.
Objecto, necessariamente, de orçamento muito limitado (ou não fossem estes, segundo Valverde, dos piores anos para arranjar dinheiro para o cinema em Portugal), mas os cineastas aceitaram sem problemas o desafio do baixo orçamento e de trabalhar com essas restrições. Côté, o mais animado e falador dos quatro, admite adorar limitações (“já as equipas técnicas não acham muita graça, mas com elas a gente pode bem”). Losier diz entre risos que, comparado com os seus documentários feitos em casa, este projecto será quase uma super-produção. “Fiz todos os meus outros filmes inteiramente sozinha, é a primeira vez que vou ter uma equipa formal a trabalhar comigo!”. Já Abrantes vê a sua contribuição na continuação do seu trabalho regular, sem grandes diferenças relativamente às condições de criação e produção.
Côté é o primeiro dos quatro a entrar em rodagem, a partir desta semana, seguindo-se Abrantes em final de Junho, Sotomayor em meados de Julho e Losier na passagem de Julho para Agosto. As equipas serão portuguesas: Denis Côté vai contar com André Santos e Marco Leão, cujas curtas A Nossa Necessidade de Consolo e Má Raça foram exibidas no Indie, na direcção de imagem e som. Marie Losier irá filmar Fernando Santos (o actor principal de Morrer como um Homem de João Pedro Rodrigues) com Rui Xavier, realizador de Superfície, à imagem; Dominga Sotomayor vai ter como director de fotografia Diogo Costa Amarante (realizador de As Rosas Brancas, que esteve no concurso de curtas de Berlim e no Indie este ano)... Todos “nomes que já passaram pelo festival e que têm alguma relação connosco”, como explica Miguel Valverde, prolongando a teia de cumplicidades e amizades da “tribo do Indie”.
Se tudo correr de acordo com o previsto, o director do IndieLisboa avança que o filme deverá ficar pronto no final deste ano. Visto que os quatro cineastas já tiveram projectos seleccionados em Berlim, Roterdão, Cannes ou Locarno, a organização do festival já “espalhou a notícia” pelos muitos certames com os quais tem relações e cumplicidades, mas será a data precisa de finalização a decidir os próximos passos.
O interesse em lançar o filme num certame internacional está garantido, e existirá sempre a possibilidade de colocá-lo em abertura da 12ª edição do IndieLisboa, em Abril de 2015, para lá do desejo de uma estreia comercial. Certo, certo, é que o filme começa a ganhar forma terça-feira com a primeira claquette do episódio de Denis Côté. Aberto à surpresa.