E contudo, ela move-se
Se o mundo de Sócrates leva três semanas a mudar, o mundo de Passos muda em apenas duas.
“O mundo mudou nas últimas três semanas.” Uma frase de José Sócrates que ficou para a história da política nacional. Aqueles que até então acreditavam que na política se aplicava a teoria ptolemaica de que a Terra estaria parada no centro do Universo desenganaram-se. O mundo da política move-se. E move-se a uma velocidade estonteante. O que ontem era verdade e jurado a pés juntos, hoje é uma heresia. Não porque os políticos tenham má-fé, nós é que vamos ficando sem fé e descrentes com as voltas que o mundo dá.
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“O mundo mudou nas últimas três semanas.” Uma frase de José Sócrates que ficou para a história da política nacional. Aqueles que até então acreditavam que na política se aplicava a teoria ptolemaica de que a Terra estaria parada no centro do Universo desenganaram-se. O mundo da política move-se. E move-se a uma velocidade estonteante. O que ontem era verdade e jurado a pés juntos, hoje é uma heresia. Não porque os políticos tenham má-fé, nós é que vamos ficando sem fé e descrentes com as voltas que o mundo dá.
Estávamos em 2010 e, poucos dias depois de ter dito que não iria aumentar os impostos, eis que José Sócrates anuncia um aumento de 1% no IVA e de outros impostos. Na altura, dizia o então primeiro-ministro, tratava-se de “aumentar ligeiramente os impostos” e com a promessa de que as novas medidas de austeridade só iriam vigorar durante um ano e meio. Ainda hoje estamos à espera de que esse “ano e meio” chegue.
Qualquer semelhança com a actualidade é pura coincidência. O aumento de impostos (IVA e TSU) anunciado esta semana pelo Governo de Passos Coelho também é, segundo as palavras da ministra das Finanças, “o mais pequeno possível”. E supostamente também é “só para 2015”.
Mas se o mundo de José Sócrates leva três semanas a mudar, o mundo de Passos Coelho muda em apenas duas semanas. Há apenas 15 dias, o primeiro-ministro, a propósito do Documento de Estratégia Orçamental (DEO), garantia que não haveria medidas que incidissem “em matéria de impostos, salários ou pensões”. Maria Luís Albuquerque dizia que não haveria “sacrifícios adicionais”. Luís Marques Guedes garantia que não haveria “aumento de impostos em 2015 ou esforços adicionais sobre salários ou pensões”.
Entretanto, o DEO veio confirmar que afinal vai mesmo haver aumento de impostos. Se o mundo de Passos Coelho muda em duas semanas, o mundo de Pires de Lima está em constante rotação e translação. Não há quinze dias, mas esta semana, um dia antes de ser conhecido o DEO, o ministro da Economia garantia que “a partir de 2015 pode e deve ser um objectivo do Governo inverter a tendência que se tem verificado até aqui de subir os impostos”. Pires de Lima é o mesmo ministro que antes de ser ministro defendia de forma acérrima a descida do IVA na restauração e até acusou o seu antecessor, Álvaro Santos Pereira, de ter falta de “peso político”. Contudo, com Pires de Lima no Governo, o IVA na restauração não só não baixou como esta semana foi anunciado que vai ser aumentado para 23,25% no próximo ano. Mas ninguém lhe pode levar a mal. É o próprio que já se auto-intitulou “soldado disciplinado e leal deste Governo”.
Por falar em ministros do CDS, quem deve estar desconsolado com mais este aumento de impostos é Paulo Portas. Na véspera de o DEO ser publicado, o vice-primeiro-ministro dizia em entrevista à revista Sábado que o “enorme aumento de impostos foi para mim uma enorme violação de consciência e de princípios”. Ora bem, se acrescentarmos ao “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar o agora “muito pequeno” aumento de impostos de Maria Luís Albuquerque, a coerência do discurso de Paulo Portas começa a ficar pouco coerente.
É o próprio Paulo Portas que admite que o propósito de baixar os impostos às famílias em 2015 tem provocado uma “intensidade do discurso que é diferente" entre o PSD e o CDS, os dois partidos do Governo. A diferença de intensidade tem sido tal que, um destes dias, as desavenças ainda acabam em mais uma “demissão irrevogável”.
O pacote de austeridade anunciado esta semana pelo Governo de Passos Coelho é a prova, se dúvidas houvesse, de que não será possível baixar os impostos em 2015. Se o Governo decidir baixar o IRS, como pretendem os ministros do CDS, fá-lo-á apenas por razões eleitoralistas. Ninguém vai perceber porque é que, no mesmo ano em que se aumenta o IVA e a TSU, se baixa também o IRS. Tirar dinheiro ao contribuinte com uma mão e dar-lhe com a outra seria demagogia.
Se nos abstrairmos das promessas feitas há duas semanas, o pacote de austeridade anunciado esta semana por Passos Coelho é justo. É justo porque reparte os sacrifícios de uma forma mais justa. Tenta distribuir o mal pelas aldeias. Até porque na aldeia dos funcionários públicos e dos reformados os cortes já roçavam o confisco. Vamos todos pagar um pouco mais para que os reformados e os trabalhadores do Estado não tenham de pagar demasiado. É precisamente esta necessidade de ter de se tirar a uns para dar a outros que prova que o Governo ainda não tem margem para baixar os impostos. Isso não quer dizer que não o venha a fazer. Os políticos até podem dizer que o mundo não se move. Mas, e parafraseando Galileu, ele, no entanto, move-se.