Street Art: uma rua dentro de portas, no coração do Porto
A Street Art ocupou quase todas as paredes do interior do Edifício Axa, na Avenida dos Aliados. Milhares passaram pela inauguração desta exposição de arte efémera que pode ser vista até 1 de Junho
Eram milhares. Não havia luzes a cintilar, que não é Natal, mas aquilo parecia a Rua de Santa Catarina em dia forte de compras. A diferença é que o percurso se fazia a subir e descer escadas e faltam ali, no interior do edifício Axa, lojas a entremear as paredes grafitadas. Durante um mês, o prédio transformado em centro cultural é a nova “rua” do Porto. A rua da Street Art.
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Eram milhares. Não havia luzes a cintilar, que não é Natal, mas aquilo parecia a Rua de Santa Catarina em dia forte de compras. A diferença é que o percurso se fazia a subir e descer escadas e faltam ali, no interior do edifício Axa, lojas a entremear as paredes grafitadas. Durante um mês, o prédio transformado em centro cultural é a nova “rua” do Porto. A rua da Street Art.
Na mesma semana em que a Câmara do Porto anunciou que quer apoiar a difusão dos graffiti pela cidade, a vintena de artistas que ocupou praticamente todos os recantos de cinco pisos do Axa, na Avenida dos Aliados, levou a cidade para dentro de portas. Pelas paredes, ali se celebrava a “legalização” desta forma de expressão (Mesk, no terceiro piso), em contraponto com as brigadas anti-grafito que, de carrinha, percorriam as ruas (Colectivo Rua, numa sala ao lado), e que tudo pintavam de amarelo (Alma e Godness, no último piso) no anterior mandato autárquico.
Fedor, um dos elementos do Colectivo Rua, recriou, numa sala obscura, o momento do Big Bang desta forma de expressão. No beco onde apenas faltava o cheiro a podre, paredes grafitadas entre baldes de lixo remetiam-nos para a não-cidade, onde os murais, mais do que arte, eram então um gesto de afirmação. É a street art a falar dela própria, transformando o que fora a sua realidade original em representação cultural. E o que é que isto significa. Contenção?
Ana Maria Rosário, que trabalha na divisão de Cultura da autarquia, gostava do que via. Apanhámo-la de olhos arregalados, a apreciar o universo fantasioso de Third, que, inspirado nas máquinas voadoras do famoso realizador Hayao Myiasaki (A Viagem de Chihiro), nos transporta para os ambientes de um dos seus mais belos filmes, o Castelo no Céu, com um link à realidade, no Prest (de Prestige, presumiu logo alguém), inscrito num dos barcos.
“Nota-se bem a mudança de atitude das pessoas em relação a esta forma de arte. Mas eu também não gostaria que ela, de tão aceite, perdesse a irreverência”, dizia ao PÚBLICO a funcionária pública, de 50 anos, que foi à inauguração acompanhada por uma amiga, professora, de 48, também ela fascinada pela qualidade dos trabalhos em exposição. O Administrador da Porto Lazer, Hugo Neto, afirmava, esta semana, que a autarquia tinha precisamente a mesma preocupação.
A resposta dos artistas estava pelos corredores e recantos elegantemente pintados por Costah (uma baleia ferida pelo Japão aqui, Joana Vasconcelos e Paula Rego cheias de euros na mão, ali) e em algumas intervenções do último piso, carregadas de mensagens políticas, de defesa da rua como espaço de liberdade. Mas também no segundo piso, onde o italiano Fra.Biancoshock decidiu dar-nos um murro no estômago, interrompendo o ar feliz dos passantes: pés de fora a insinuar corpos entre cartões, a evocação dos sem-abrigo – podia ser no Porto, a poucos metros dali – seguia com a frase “You cant’t change your life, You can change your dreams”.
Mr. Dheo também não fugiu à intervenção política. No seu habitual hiperrealismo, que ganhou tridimensionalidade com a colocação de destroços de pedras de um prédio pelo chão, põe-nos a olhar de frente para as ruínas de um país, em Aportugalipse. É “a criatividade como arma de combate”, como escreveu Bifes, noutro espaço, no seu mural em tons de azul, branco e negro. Garantia de que, para já, mais do que celebração, a arte de rua vai continuar a ser agitação.
E a mensagem viaja agora mais depressa do que, por exemplo, no 25 de Abril que multiplicou murais pelo país. Entre os milhares que passaram pelo Axa na noite de quarta-feira, por vezes pareciam ser mais os que fotografavam do que os que simplesmente olhavam. Principalmente na sala negra em que o portuense Hazul explorou de maneira brilhante, nas suas habituais formas ondulosas, o potencial das tintas florescentes.
Foi assim que, com telefones mais ou menos inteligentes, tablets e máquinas de vários tamanhos e feitios, a exposição Street Art – que sai de cena a 1 de Junho, para dar lugar às imagens imortais de Cartier-Bresson – garantiu a sua dose de posteridade. Fixada em milhões e milhões de pixéis, deve já ter dado algumas voltas ao mundo, pelas redes sociais.