O super-8 faça-você-mesmo de Yaël André

Inteiramente construído a partir de imagens de super-8 recicladas, Quand Je Serai Dictateur é uma das surpresas da competição do IndieLisboa. A sua realizadora falou ao PÚBLICO.

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O problema, no entanto, não é que as pessoas gostem de Quand Je Serai Dictateur, mas sim que nenhum distribuidor internacional tenha até agora querido arriscar pegar nele forçando Yaël André a tomar ela própria conta da sua divulgação. “É um filme que agrada a quem o vê, mas os distribuidores têm preconceitos. Gostam muito, mas acham que não tem potencial fora do circuito de festivais, é um objecto demasiado bizarro para eles acharem que o conseguem vender...”

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O problema, no entanto, não é que as pessoas gostem de Quand Je Serai Dictateur, mas sim que nenhum distribuidor internacional tenha até agora querido arriscar pegar nele forçando Yaël André a tomar ela própria conta da sua divulgação. “É um filme que agrada a quem o vê, mas os distribuidores têm preconceitos. Gostam muito, mas acham que não tem potencial fora do circuito de festivais, é um objecto demasiado bizarro para eles acharem que o conseguem vender...”

Até certo ponto, isso percebe-se: nem documentário tradicional, nem ficção clássica, Quand Je Serai Dictateur é inteiramente criado a partir de imagens super-8 pré-existentes, utilizadas por Yaël André para desenrolar uma homenagem assumida a um amigo de infância já falecido. É uma espécie de autobiografia ficcionada que transporta o espectador para um universo de fervilhante imaginação, uma celebração do que de melhor há no espírito humano. A realizadora desvendou ao PÚBLICO um pouco do laborioso processo de criação deste filme contagiante e fora do baralho.

De onde vêm todas estas imagens super 8?

A maior parte são imagens mesmo minhas, que fui rodando ao longo de dez anos, com a intenção de as usar num projecto futuro. Foi esse o meu ponto de partida, mas rapidamente me comecei a interessar pelo que outras pessoas que tiveram o mesmo gesto, um pouco bruto, amador, tinham feito. Houve duas pessoas minhas amigas que trouxeram caixas de bobinas – estavam a coleccionar coisas, que descobriam em feiras da ladra e afins – e houve ainda finalmente uma terceira fonte de material, que foram a família e os amigos. Às tantas, já nem precisava de pedir, eram as pessoas que mas traziam e tive de dizer, “parem, já tenho que chegue...”.

Ao todo, tinha quanto tempo de imagens?

Uma centena de horas. Nunca contei precisamente. Cada imagem implica um ciclo de trabalho: o tempo que passou desde que ela foi filmada mas também o tempo necessário para a trabalhar, porque é um trabalho de loucos. A fabricação do filme durou dois anos, com toda uma equipa encarregue do restauro das imagens, porque era preciso limpar, arquivar, catalogar, datar, transferir – chegámos até a inventar um sistema próprio de transferência, e depois foram precisos mais quatro meses de triagem... Depois do filme, trabalhei num projecto com o canal ARTE, que vai ser colocado online em breve, que se chama Synaps (http://synaps.arte.tv). A ideia é entregar às pessoas todas estas imagens, permitindo-lhes viajar pelas “memórias” de um cérebro, que são as imagens em super-8, e reconstituirem elas próprias “recordações”, associando cenas, escrevendo textos, musicando-as e depois colocando-as online. Vamos propor aos espectadores serem eles a fazer aquilo que nós fizemos.

As imagens foram escolhidas de acordo com um argumento escrito, ou foram as imagens que ditaram o argumento?

Sempre que termino um filme, vou ler por curiosidade o dossier inicial de apresentação. E fiquei espantada, porque aquilo que está no filme acabado é exactamente aquilo que descrevi nesse dossier inicial de 2008. Desde o princípio que havia a ideia da divisão do filme em capítulos, e de uma voz off que serviria de fio condutor, mas ao longo de todo o processo existiu um ir e vir constante entre a montagem e a escrita. Fazia regularmente projecções de teste e sempre que as pessoas se perdiam eu reformulava a narração. Sobretudo, percebemos muito depressa que tínhamos que evitar que a imagem ilustrasse a narração. Era preciso encontrar um equilíbrio.

É um filme pensado e trabalhado ao milímetro, mas que respira como se fosse algo de espontâneo, de improvisado no momento...

Creio que o melhor ponto de comparação seriam os grandes intérpretes de música clássica, que ensaiaram 50 mil vezes a mesma peça, mas que conseguem transmitir algo de livre e espontâneo no dia em que a tocam em público. Este filme é um pouco assim: trabalhámos tanto em cada momento, em cada imagem, em cada som, que chega a ser maníaco!

Quand Je Serai Dictateur passa esta quinta-feira, 1 de Maio, às 18h, na Culturgest, e sexta-feira, dia 2, às 21h30, no Cinema City Campo Pequeno