Canhão submarino junto de Portugal é local com mais lixo detectado em estudo
Trabalho internacional liderado pela Universidade dos Açores analisou detritos em vários locais no mar Mediterrâneo e nos oceanos Atlântico e Árctico. Em todos encontrou lixo.
Caídos entre os sedimentos do mar, ou já afundados na areia, estão plásticos, redes de pesca, vidro, metal, roupa, madeira, papel, cartão, além de objectos não identificados. A 1602 metros de profundidade, no estreito abrupto conhecido como canhão de Lisboa que fica a sudoeste de Setúbal, os cientistas mediram a maior frequência de lixo, revela o trabalho liderado pela Universidade dos Açores, publicado nesta quarta-feira na revista PLOS ONE.
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Caídos entre os sedimentos do mar, ou já afundados na areia, estão plásticos, redes de pesca, vidro, metal, roupa, madeira, papel, cartão, além de objectos não identificados. A 1602 metros de profundidade, no estreito abrupto conhecido como canhão de Lisboa que fica a sudoeste de Setúbal, os cientistas mediram a maior frequência de lixo, revela o trabalho liderado pela Universidade dos Açores, publicado nesta quarta-feira na revista PLOS ONE.
O artigo, que é de acesso livre na Internet, além de divulgar os resultados da pesquisa é também um manual resumido sobre a dimensão do problema que é a acumulação de lixo nos oceanos. Anualmente, 6,4 milhões de toneladas vão parar ao mar, o que torna este lixo “a ameaça à saúde dos oceanos que mais rapidamente cresce”, lê-se no artigo. E 70% deste material não fica à tona de água mas afunda-se.
Há várias consequências negativas do mar servir de lixeira. Além da questão estética, os peixes, mamíferos e outros seres que vivem no mar podem confundir o lixo com alimento. As redes de pesca podem prender e ameaçar a vida de mamíferos marinhos, aves, tartarugas, assim como animais que vivem no leito do oceano. O lixo que se mantém a flutuar no oceano transporta muito mais rapidamente espécies exóticas entre diversos pontos do globo do que as correntes marítimas.
Por outro lado, os plásticos que se vão acumulando no mar são uma fonte de químicos tóxicos que podem matar a fauna marinha. Estes “poluentes orgânicos persistentes podem acumular-se nos tecidos dos consumidores e podem ser transferidos na cadeia trófica para os predadores, incluindo os humanos”, explica o artigo.
Neste trabalho agora publicado, os investigadores de 15 instituições analisaram, entre 1999 e 2012, o solo marinho de 32 locais em plataformas continentais, taludes continentais, canhões submarinos, bacias oceânicas, dorsais oceânicas e montes submarinos, à procura de lixo. O trabalho esteve associado ao projecto HERMIONE (sigla inglesa para Investigação dos ecossistemas de hotspots e o impacto do homem nos mares europeus), financiado pela União Europeira.
“Descobrimos que o plástico foi o lixo mais comum encontrado no chão marinho, enquanto o lixo associado às actividades de pesca (linhas e redes de pesca deitadas fora) eram particularmente comuns nas dorsais oceânicas e nos montes submarinos. A acumulação mais densa de lixo foi encontrada em profundidade nos canhões submarinos”, explicou Christopher Pham da Universidade dos Açores, num comunicado da Universidade de Plymouth, do Reino Unido.
Lixo antigo
Os canhões submarinos são margens cavadas, como se fossem vales dos rios, que existem nas margens continentais no oceano e acabam por ser uma via de transporte de sedimentos. No canhão de Lisboa, a equipa encontrou 66,2 objectos por hectare (10.000 metros quadrados). No canhão de Setúbal foram encontrados 24,6 objectos por hectare e no canhão de Guilvinec, junto da plataforma oceânica francesa, os cientistas encontraram 31,9 objectos por hectare.
“Os canhões submarinos formam a principal ligação entre as águas costeiras de pouca profundidade e o mar profundo”, explica por sua vez Veerle Huvenne, que fez parte da equipa e pertence à Universidade de Southampton, Reino Unido. “Os canhões que estão localizados perto das maiores cidades e vilas costeiras, como o canhão de Lisboa, ou o canhão de Blanes, na costa de Barcelona, podem dirigir o lixo em direcção a águas com profundidade de 4500 metros ou mais.”
Os cientistas puderam fazer uma contagem destes objectos analisando filmes feitos pelas câmaras transportadas por veículos operados remotamente (ROV, sigla em inglês). Estes veículos permitiram procurar por lixo em zonas do oceano mais profundas. Outra forma de analisar a quantidade de lixo foi através de redes de arrasto que permitiram trazer o lixo até à superfície.
Esta técnica dá uma dimensão do peso de cada tipo de lixo, mas mostra também lixo mais antigo, enterrado no chão marinho, como escórias de carvão – resultantes da queima de carvões dos navios entre o final do século XVIII até ao início do século XX, que eram lançados directamente para o mar. “O chão marinho que existe em profundidade é uma área de acumulação passiva do lixo, que integra informação durante longos períodos de tempo”, escrevem os autores.
Apesar da amplitude deste estudo, os autores explicam que ainda se sabe muito pouco sobre a verdadeira dimensão do lixo nos oceanos e defendem uma avaliação de grande escala para se definir quais as medidas certas que devem ser tomadas para se prevenir a acumulação de lixo nos oceanos.
“Esta pesquisa mostrou que o lixo humano está presente em todos habitats marinhos, das praias até às regiões do oceano mais remotas e profundas”, diz Kerry Howell, da Universidade de Plymouth. “A maioria do oceano profundo continua inexplorada pelos humanos e estas são as nossas primeiras visitas a muitos destes locais, mas ficámos chocados por ver que o lixo chegou lá primeiro do que nós.”