A ditadura do mesmo
Alguém quer vir ajudar a acabar com isto? Já basta.
Escrevo minutos depois de ter visto o primeiro debate entre os candidatos a presidente da Comissão Europeia. Um debate histórico. Falou-se de tudo o que é essencial para o nosso futuro: desemprego, eurobonds, troika, juventude, energia, Ucrânia, imigração, envelhecimento, pensões e salários. Pela primeira vez desde que o mundo é mundo, quatro candidatos ao executivo de uma União de países explicaram como pretendem governar se forem eleitos. E, no entanto, escrevo estas linhas com raiva.
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Escrevo minutos depois de ter visto o primeiro debate entre os candidatos a presidente da Comissão Europeia. Um debate histórico. Falou-se de tudo o que é essencial para o nosso futuro: desemprego, eurobonds, troika, juventude, energia, Ucrânia, imigração, envelhecimento, pensões e salários. Pela primeira vez desde que o mundo é mundo, quatro candidatos ao executivo de uma União de países explicaram como pretendem governar se forem eleitos. E, no entanto, escrevo estas linhas com raiva.
Porquê? Porque em Portugal ninguém quis organizar este debate. Há anos que venho alertando para ele. Propu-lo à Assembleia da República. Desafiei fundações. Mencionei o assunto a jornais, rádios e televisões. Encolheram os ombros e passaram à frente — à próxima polémica insignificante ocupando quatro canais de notícias e quatro generalistas.
Portugal tem interesse — porventura mais interesse do que a média dos outros países — em saber o que se prepara para o futuro da União Europeia. Fomos as primeiras vítimas das políticas erradas da Comissão. Seremos os primeiros interessados em políticas novas, e corretas. Mas quando um destes candidatos for presidente da Comissão, vai lembrar-se talvez das promessas que fez a alemães, franceses e holandeses. A portugueses, não, porque nenhuma instituição portuguesa esteve interessada. Hoje [ontem] terça-feira, os nossos jornais quase não se referem a este debate. Entenderão que um daqueles candidatos vai ser o único detentor do poder de iniciar legislação para 500 milhões de pessoas, o autor de todas as propostas de orçamento comunitário até 2019 e o principal interlocutor de Portugal após a saída da troika?
(A propósito: outra razão de frustração é que entre os candidatos — o democrata--cristão luxemburguês Juncker, o socialista alemão Schulz, o liberal belga Verhofstadt e a verde alemã Keller — o único que decidiu recusar o convite foi o grego Alexis Tsipras, da esquerda unitária. Como é possível que neste debate não tenha estado o único candidato que poderia ter apresentado uma perspectiva dos países vítimas da troika? É difícil de entender e aceitar.)
Claro, as instituições e órgãos de comunicação social que não quiseram dar atenção a este debate justificaram-se com a falta de interesse dos portugueses por temas europeus. Mas querem saber a melhor? Durante o debate de ontem foi batido um recorde de dez mil tweets por minuto comentando as propostas dos candidatos. Sabem de onde vinha a grande maioria? Dos países do Sul da Europa.
Nesses países, como em Portugal, há um futuro querendo nascer e uma super-estrutura de instituições e opiniões estabelecidas fazendo tudo para que esse futuro não nasça, pela razão mais mesquinha de todas: porque dá trabalho a acompanhar.
Portugal, hoje, é a ditadura do mesmo: os mesmos debates, os mesmos círculos, as mesmas opiniões e os mesmos partidos, fazendo as coisas sempre da mesma maneira, e coreografando as mesmas controvérsias com as mesmas palavras e o mesmo vazio de significado.
Quando há quarenta anos Salgueiro Maia quis acabar com a ditadura, nem precisou de a descrever: bastou dizer “o estado a que chegámos” e toda a gente entendeu.
O mesmo se passa hoje. Há regimes que são oligarquias, burocracias, tecnocracias ou bancocracias. O nosso regime é a mesmocracia.
Alguém quer vir ajudar a acabar com isto? Já basta.
Historiador e eurodeputado, cabeça de lista do partido Livre às eleições europeias