Revolução chilena
“Tu estado de control/Tu trono podrido de oro / Tu politica y tu riqueza y tu tesoro no / La hora sonó / No permitiremos más tu doctrina del shock”. Este refrão de Ana Tijoux, fervente de energia no tema Shock, foi levantado de punhos no ar em 2011 pelo meio estudantil chileno em protestos de rua continuados e pejados de picos de tensão contra um acesso desigual ao ensino superior. Especulou-se até que o álbum de Tijoux, La Bala, deveria o seu título à referência a Manuel Gutiérrez Reinoso, estudante morto pela polícia num dos momentos de descontrolo dos protestos, mas a rapper preferiu sempre chamar a atenção para o facto de disparar repetidas rajadas contra as injustiças captadas pelo seu radar.
A consciência política e social de Tijoux nasceu com o erro do seu local de nascimento. Devido ao exílio forçado pelo regime de Pinochet (“Constituición pinochetista/derecho opus dei, libro fascista”, cantava ainda em Shock), os seus pais refugiar-se-iam em Paris enquanto o Chile não recuperava a liberdade, Ana Tijoux nasceria francesa e essa relação tardia com um país que só conheceu na adolescência é precisamente a matéria que abastece a sua impressionante estreia a solo 1977, ano do seu nascimento. O seu rap era na altura uma investigação em tempo real às suas origens e tentava encaixar a sua biografia num país real e não sonhado à distância.
Depois de uma visão pessoal sobre o exílio e a pertença em 1977, La Bala seria um álbum mais político, alinhado com os estudantes mas também piscando o olho ao movimento norte-americano Occupy. Vengo volta a cuspir na cara do capitalismo (Oro Negro), anuncia que a sua voz nem se cala nem emigra, clama contra a subjugação dos povos em “Somos Sur” (com a participação da rapper palestiniana Shadia Mansour) e rima magnificamente no feminista Antipatriarca (atacando a violência a que as mulheres são sujeitas na América Latina, mas arrasando no mesmo impulso a imagem feminina como elemento decorativo para vender automóveis).
A maior revolução no percurso de Ana Tijoux em Vengo, no entanto, é musical. Mais do que nos álbuns anteriores, a rapper rodeia-se aqui de música sul-americana, desde flautas andinas às locomotivas rock-hispânico de Manu Chao. O resultado são canções primorosas (Antipatriarca, Creo en Ti e Oro Negro), capitaneadas porSomos Sur, com sopros entre os Balcãs e a big band de jazz, as segundas vozes em registo dancehall cubano e uma secção de cordas a rasgar tudo o resto. Ana Tijoux é cada vez mais uma ilha. Já era tempo de não serem só Björk e Thom Yorke a seguir-lhe os passos fora da América Latina.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
“Tu estado de control/Tu trono podrido de oro / Tu politica y tu riqueza y tu tesoro no / La hora sonó / No permitiremos más tu doctrina del shock”. Este refrão de Ana Tijoux, fervente de energia no tema Shock, foi levantado de punhos no ar em 2011 pelo meio estudantil chileno em protestos de rua continuados e pejados de picos de tensão contra um acesso desigual ao ensino superior. Especulou-se até que o álbum de Tijoux, La Bala, deveria o seu título à referência a Manuel Gutiérrez Reinoso, estudante morto pela polícia num dos momentos de descontrolo dos protestos, mas a rapper preferiu sempre chamar a atenção para o facto de disparar repetidas rajadas contra as injustiças captadas pelo seu radar.
A consciência política e social de Tijoux nasceu com o erro do seu local de nascimento. Devido ao exílio forçado pelo regime de Pinochet (“Constituición pinochetista/derecho opus dei, libro fascista”, cantava ainda em Shock), os seus pais refugiar-se-iam em Paris enquanto o Chile não recuperava a liberdade, Ana Tijoux nasceria francesa e essa relação tardia com um país que só conheceu na adolescência é precisamente a matéria que abastece a sua impressionante estreia a solo 1977, ano do seu nascimento. O seu rap era na altura uma investigação em tempo real às suas origens e tentava encaixar a sua biografia num país real e não sonhado à distância.
Depois de uma visão pessoal sobre o exílio e a pertença em 1977, La Bala seria um álbum mais político, alinhado com os estudantes mas também piscando o olho ao movimento norte-americano Occupy. Vengo volta a cuspir na cara do capitalismo (Oro Negro), anuncia que a sua voz nem se cala nem emigra, clama contra a subjugação dos povos em “Somos Sur” (com a participação da rapper palestiniana Shadia Mansour) e rima magnificamente no feminista Antipatriarca (atacando a violência a que as mulheres são sujeitas na América Latina, mas arrasando no mesmo impulso a imagem feminina como elemento decorativo para vender automóveis).
A maior revolução no percurso de Ana Tijoux em Vengo, no entanto, é musical. Mais do que nos álbuns anteriores, a rapper rodeia-se aqui de música sul-americana, desde flautas andinas às locomotivas rock-hispânico de Manu Chao. O resultado são canções primorosas (Antipatriarca, Creo en Ti e Oro Negro), capitaneadas porSomos Sur, com sopros entre os Balcãs e a big band de jazz, as segundas vozes em registo dancehall cubano e uma secção de cordas a rasgar tudo o resto. Ana Tijoux é cada vez mais uma ilha. Já era tempo de não serem só Björk e Thom Yorke a seguir-lhe os passos fora da América Latina.