Prazo de entrega dos ferries dos Açores era impossível de cumprir, diz ex-gestor dos estaleiros
Dois responsáveis que se sucederam à frente dos estaleiros de Viana do Castelo divergiram no Parlamento quanto à data do acordo para a construção dos navios para a empresa pública açoriana.
Aquele antigo responsável falava na Assembleia da República, em audição na comissão parlamentar de inquérito à subconcessão dos estaleiros de Viana.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Aquele antigo responsável falava na Assembleia da República, em audição na comissão parlamentar de inquérito à subconcessão dos estaleiros de Viana.
“A entrega dos navios dos Açores era impossível de cumprir, o estaleiro não estava habituado a fazer aquele tipo de navio”, disse Navarro Machado, referindo-se aos ferries Atlântida e Anticiclone encomendados aos ENVC pela Atlânticoline, a holding de transporte marítimo açoriana. O contrato daquela encomenda foi assinado a 21 de Setembro de 2006 e estipulava um prazo de 565 dias para a entrega dos barcos.
“Quando cheguei aos estaleiros de Viana, encontrei um estaleiro antigo, com material antigo, um estaleiro cheio de encomendas num mercado de construção naval aquecido e sem meios humanos para a concretização das encomendas”, salientou. Aliás, foi da sua responsabilidade a contratação de soldadores romenos. “Não tínhamos capacidade para mais projectos, razão pela qual o C-258 (código dado nos ENVC ao Atlântida) foi encomendado ao projectista russo [Petrobalt] que não tinha condições”, destacou. O antigo presidente dos estaleiros revelou que em Abril/Maio de 2007 os trabalhos do projecto dos russos já tinham três meses de atraso.
“O estaleiro fez tudo para entregar o navio, mas as adversidades foram maiores. Com mais tempo e procedimentos diferentes teria sido possível”, admitiu: “Só pensei em encurtar prazos para entregar o navio”.
Arnaldo Navarro Machado, responsável pelo contacto com o cipriota-britânico Andreas Liveras que levou à assinatura de um contrato para dois mega-iates em Viana finalmente frustrado pelo assassinato do armador no atentado de Bombaím de Novembro de 2008, foi peremptório quanto ao empenho dos ENVC na construção do Atlântida: “Tudo se fez para salvar aquele navio, foi uma frustração.”
Admitiu que existiu uma lógica perversa na gestão dos estaleiros - “Era preciso encher com trabalho, mesmo que não desse dinheiro” -, razão pela qual, no seu tempo de administrador, fez apenas dois contratos e encaminhou os dois asfalteiros para a Venezuela, hoje ainda não construídos.
Navarro Machado não poupou críticas à actuação da Marinha portuguesa no processo de construção do patrulhão Viana do Castelo que já decorria quando tomou posse: “Era um contrato muito favorável e permitia à Marinha uma margem de manobra.” O mesmo já fora dito de manhã perante os deputados por Fernando Manuel Geraldes, à frente dos ENVC entre Março de 2004 e Março de 2007.
Sobre o processo de construção do primeiro patrulhão, o Viana do Castelo, sujeito a várias alterações, o antigo administrador denunciou que a redacção do contratos que encontrou era de risco. “O Estado pagará aos estaleiros navais (…) se assim o entender”, recordou o articulado.
As sucessivas alterações na construção do navio para a Marinha alteraram os prazos de entrega e aumentaram os custos. Que, no entanto, seriam diluídos por se tratar do primeiro navio. “Era visto como um investimento, mas, se não foram feitos, passou de custo a despesa”, disse. Manuel Geraldes não escondeu que as relações com os responsáveis da Marinha que, em Viana do Castelo, acompanharam a construção do navio não foram fáceis: “Não posso por 20 mil euros levar um Ferrari.”
Arnaldo Navarro Machado considerou que as encomendas da Defesa, tal como a operação dos mega-iates, podiam ter sido a solução para os ENVC, dado serem construções de grande valor acrescentado, mas não hesitou em referir em termos duros a pouca colaboração da Marinha: “Não ficou com desgosto pelo fim da construção naval.”
Num ponto, os dois ex-presidentes do conselho de administração não estiveram de acordo. Geraldes referiu a existência de uma outra data de assinatura do acordo entre a Atlânticoline e os estaleiros de Viana para a construção dos ferries açorianos, posterior a 21 de Setembro de 2006 - como consta da documentação oficial -, já depois da sua saída da ENVC. Remeteu-a para o exercício do seu sucessor, o que Navarro Machado negou: “O anterior depoente (Manuel Geraldes) é que lhes poderia ter explicado.”
Por outro lado, Geraldes disse não entender por que a sua antiga empresa pagou ao armador açoriano 40 milhões de euros sem litigar. “Não entendo como no caso dos Açores se pagou 40 milhões de euros sem litigar”, afirmou Manuel Geraldes. “Qual era o incómodo da velocidade?”, perguntou, referindo-se ao não cumprimento, em um nó, da velocidade contratada pelo armador Atlânticoline com o construtor de Viana do Castelo. “Quanto é que o armador perdia por um atraso de cinco minutos?”, perguntou o ex-administrador.