O surdo-mudo foi morto por um mal-entendido

Há uns dez anos, eu estava a assistir o programa do Jô Soares e o gordo diz que recebeu um e-mail de um tal de Edson Athayde, de Portugal, com uma série de títulos engraçado que haviam saído em jornais

Foto
Filippo Minelli/Flickr

Há quase vinte anos, escrevi uma crónica num diário português sobre os equívocos factuais ou de linguagem que os jornais cometem no dia a dia.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Há quase vinte anos, escrevi uma crónica num diário português sobre os equívocos factuais ou de linguagem que os jornais cometem no dia a dia.

Para ilustrar o raciocínio, transcrevi uma série de títulos da imprensa que, apesar de reais, beiravam a estupidez. Esses tais títulos vieram do livro de um francês que agora não recordo o nome. Mas lá na crónica original constava tudo, o nome dele, o do livro, acho até que o da editora.

Passados algumas semanas, deparei-me com alguns "links" para páginas onde estava parte da minha crónica, os tais títulos de jornais imbecis, para ser mais exato. Em nenhuma constava o nome do francês. Em todas eu era apresentado como o autor da pesquisa.

Mais um tempo e os "links" já estavam na ordem de centenas. Depois descobri um texto publicado no jornal "O Estado de São Paulo", assinado pelo Mário Prata, uns dos maiores cronistas do Brasil, onde a tal lista de títulos aparecia, dando a entender que eu havia enviado para ele. Infelizmente, apesar até de o conhecer nunca tive intimidade com o Mário para tanto.

Há uns dez anos, eu estava a assistir o programa do Jô Soares e o gordo diz que recebeu um e-mail de um tal de Edson Athayde, de Portugal, com uma série de títulos engraçados que haviam saído em jornais. A coisa deve ter feito sucesso pois repetiu-se em mais duas ocasiões a rábula. Eu nunca enviei e-mail nenhum para o Jô.

Há umas duas semanas, um jornal do Rio publicou essa “minha” pesquisa. Trata-se de uma bola de neve virtual que eu não consigo parar. O que eu hei de fazer?

Bem, no mínimo, publicar aqui uma parte das tais frases alertando que não são minhas. Mas são boas:

"Parece que ela foi morta pelo seu assassino."

"Ferido no joelho, ele perdeu a cabeça."

"Os antigos prisioneiros terão a alegria de se reencontrar para lembrar os anos de sofrimento."

"A polícia e a justiça são as duas mãos de um mesmo braço."

"O acidente fez um total de um morto e três desaparecidos. Teme-se que não haja vítimas."

"O tribunal, após breve deliberação, foi condenado a um mês de prisão."

"Quatro hectares de trigo foram queimados. A princípio trata-se de um incêndio."

"O velho reformado, antes de apertar o pescoço da sua mulher até à morte, suicidou-se."

"No corredor do hospital psiquiátrico, os doentes corriam como loucos."

"Ela contraiu a doença na época em que ainda estava viva."

"A conferência sobre a prisão-de-ventre foi seguida de um farto almoço."

"O acidente provocou uma forte comoção em toda a região, onde o veículo era bem conhecido."

"À chegada da polícia, o cadáver encontrava-se rigorosamente imóvel."

"As circunstâncias da morte do chefe de iluminação permanecem rigorosamente obscuras."

"O presidente de honra é um jovem septuagenário de 81 anos."

"É uma bela obra, de onde parecia exalar toda a fria tristeza da estepe gelada. Foi executada com um calor magistral."

"Depois de algum tempo, a água corrente foi instalada no cemitério, para satisfação dos habitantes."

"Apesar da meteorologia estar em greve, o tempo esfriou ontem intensamente."

"Os sete artistas compõem um trio de talento."

"A vítima foi estrangulada a golpes de facão."

“O surdo-mudo foi morto por um mal-entendido."

"Os nossos leitores de certeza nos desculparão por este erro indesculpável."