O surdo-mudo foi morto por um mal-entendido
Há uns dez anos, eu estava a assistir o programa do Jô Soares e o gordo diz que recebeu um e-mail de um tal de Edson Athayde, de Portugal, com uma série de títulos engraçado que haviam saído em jornais
Há quase vinte anos, escrevi uma crónica num diário português sobre os equívocos factuais ou de linguagem que os jornais cometem no dia a dia.
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Há quase vinte anos, escrevi uma crónica num diário português sobre os equívocos factuais ou de linguagem que os jornais cometem no dia a dia.
Para ilustrar o raciocínio, transcrevi uma série de títulos da imprensa que, apesar de reais, beiravam a estupidez. Esses tais títulos vieram do livro de um francês que agora não recordo o nome. Mas lá na crónica original constava tudo, o nome dele, o do livro, acho até que o da editora.
Passados algumas semanas, deparei-me com alguns "links" para páginas onde estava parte da minha crónica, os tais títulos de jornais imbecis, para ser mais exato. Em nenhuma constava o nome do francês. Em todas eu era apresentado como o autor da pesquisa.
Mais um tempo e os "links" já estavam na ordem de centenas. Depois descobri um texto publicado no jornal "O Estado de São Paulo", assinado pelo Mário Prata, uns dos maiores cronistas do Brasil, onde a tal lista de títulos aparecia, dando a entender que eu havia enviado para ele. Infelizmente, apesar até de o conhecer nunca tive intimidade com o Mário para tanto.
Há uns dez anos, eu estava a assistir o programa do Jô Soares e o gordo diz que recebeu um e-mail de um tal de Edson Athayde, de Portugal, com uma série de títulos engraçados que haviam saído em jornais. A coisa deve ter feito sucesso pois repetiu-se em mais duas ocasiões a rábula. Eu nunca enviei e-mail nenhum para o Jô.
Há umas duas semanas, um jornal do Rio publicou essa “minha” pesquisa. Trata-se de uma bola de neve virtual que eu não consigo parar. O que eu hei de fazer?
Bem, no mínimo, publicar aqui uma parte das tais frases alertando que não são minhas. Mas são boas:
"Parece que ela foi morta pelo seu assassino."
"Ferido no joelho, ele perdeu a cabeça."
"Os antigos prisioneiros terão a alegria de se reencontrar para lembrar os anos de sofrimento."
"A polícia e a justiça são as duas mãos de um mesmo braço."
"O acidente fez um total de um morto e três desaparecidos. Teme-se que não haja vítimas."
"O tribunal, após breve deliberação, foi condenado a um mês de prisão."
"Quatro hectares de trigo foram queimados. A princípio trata-se de um incêndio."
"O velho reformado, antes de apertar o pescoço da sua mulher até à morte, suicidou-se."
"No corredor do hospital psiquiátrico, os doentes corriam como loucos."
"Ela contraiu a doença na época em que ainda estava viva."
"A conferência sobre a prisão-de-ventre foi seguida de um farto almoço."
"O acidente provocou uma forte comoção em toda a região, onde o veículo era bem conhecido."
"À chegada da polícia, o cadáver encontrava-se rigorosamente imóvel."
"As circunstâncias da morte do chefe de iluminação permanecem rigorosamente obscuras."
"O presidente de honra é um jovem septuagenário de 81 anos."
"É uma bela obra, de onde parecia exalar toda a fria tristeza da estepe gelada. Foi executada com um calor magistral."
"Depois de algum tempo, a água corrente foi instalada no cemitério, para satisfação dos habitantes."
"Apesar da meteorologia estar em greve, o tempo esfriou ontem intensamente."
"Os sete artistas compõem um trio de talento."
"A vítima foi estrangulada a golpes de facão."
“O surdo-mudo foi morto por um mal-entendido."
"Os nossos leitores de certeza nos desculparão por este erro indesculpável."