A Câmara de Lisboa e a transparência
Depois de dois anos e meio e quatro decisões judiciais, António Costa tornou um relatório público.
O texto citava um relatório feito meses antes pelos serviços, no qual se faziam críticas à Direcção Municipal de Projectos e Obras. As recomendações da comissão incidiam sobre problemas concretos: a câmara contratar repetidamente os mesmos empreiteiros; privilegiar os ajustes directos e recorrer muito à figura do “estado de necessidade”, um regime de contratação excepcional que dispensa formalismos.
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O texto citava um relatório feito meses antes pelos serviços, no qual se faziam críticas à Direcção Municipal de Projectos e Obras. As recomendações da comissão incidiam sobre problemas concretos: a câmara contratar repetidamente os mesmos empreiteiros; privilegiar os ajustes directos e recorrer muito à figura do “estado de necessidade”, um regime de contratação excepcional que dispensa formalismos.
Para além do relatório, a comissão citava três memorandos com as respostas dos directores visados. Por considerar os documentos de interesse público, o PÚBLICO pediu à câmara uma cópia dos documentos. Estávamos em Outubro de 2011.
A câmara não deu resposta ao pedido. Um mês depois, o PÚBLICO apresentou uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que funciona no âmbito da Assembleia da República e tem 11 membros, entre os quais um deputado do PSD e outro do PS. No seu parecer, a CADA concordou que os documentos eram administrativos e por isso de natureza pública e deviam ser entregues ao jornal. O PÚBLICO voltou a pedir o relatório e os anexos. De novo, silêncio.
Convictos da justeza do pedido, decidimos recorrer a um tribunal. Em Agosto de 2012, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa deu-nos razão e deu à câmara 10 dias para entregar os papéis. Passaram os 10 dias e a câmara tomou duas decisões: não entregar os documentos e recorrer para o Tribunal Central Administrativo.
No recurso, a câmara revelou o seu raciocínio: abrir os arquivos, “abre caminho a que todas as decisões políticas [...] fiquem sujeitas ao escrutínio público [...], o que irá conduzir à diminuição/perda da autonomia que deve caracterizar o exercício do poder político”. Os documentos eram políticos e não administrativos, é a tese. Em Janeiro de 2013, o TCA confirmou a decisão anterior. De novo, a CML recorreu, desta vez para o Tribunal Constitucional. Em Julho, o TC rejeitou o recurso.
A câmara recorreu então para a Conferência de Juízes do TC, que, em Fevereiro deste ano, tomou decisão idêntica, recusando apreciar o recurso. Esgotadas as ferramentas, a câmara entregou agora, quase três anos depois, os documentos ao PÚBLICO.
Este é um caso exemplar em muitos aspectos. Até porque, ironia das ironias, enquanto bloqueava o acesso aos documentos, António Costa agia correctamente em relação aos problemas identificados pelos seus técnicos. Permanece, no entanto, um equívoco. Um relatório técnico sobre como o dinheiro público é gasto não é um documento político. Quando falamos sobre como a câmara gasta 40 milhões de euros em obras, não falamos da estratégia da câmara, mas do próprio funcionamento da coisa pública.